28 de dez. de 2010

2011 - Para ser feliz, boas escolhas

Foi intenso. Muito intenso, mas passou.
Um ano cheio de importantes acontecimentos que trouxeram descobertas, sensações, sentimentos e constatações diversas.
Nem tudo foi alegria. Como normalmente acontece com a vida.
Ninguém esperava que 2010 fosse, como dizem, “um mar de rosas”. Por mais românticos que sejamos, não somos ingênuos a esse ponto.
Mas, como gosto de lembrar, boa parte dos sofrimentos podem ser evitados.
Alguns são necessários, é verdade. Mas a maioria das dores, chateações, aborrecimentos e decepções são criações nossa. Na maioria nem existem de fato e, quando temos certeza que existem, podem facilmente serem evitados, ou minimizados. Tudo é uma questão das escolhas que fazemos.
Sei que me repito ao dizer isso. Assim que me repito também ao dizer que, a única coisa que nos cabe, são as escolhas. Escolher as amizades, a profissão, a marca da cerveja, a companhia ideal para uma noite ou para a vida toda, a cor dos cabelos. Enfim, escolher o caminho a seguir. Nós apenas escolhemos o caminho. Onde ele nos levará, só nos cabe visualizar o que imaginamos, e torcer para que a viagem seja agradável. Ela, a viagem, é o que de fato vamos desfrutar. Pois a próxima estação de chegada não será outra coisa, senão mais uma encruzilhada, onde novamente teremos que decidir. Optar. Escolher.
Os trilhos são desconhecidos. Mas a qualidade da viagem depende simplesmente de como nos comportamos enquanto seguimos.
Sermos tolerantes com as diferenças que existem, dentro e fora de nós. Manter a motivação para continuar seguindo, mesmo quando a jornada se apresenta, inesperadamente, árdua. Aceitar nossas deficiências e nossos talentos. Acreditarmos, e essa fé (seja No que for) nos apontar para o Bem. Essas são algumas das decisões que determinam a qualidade das diversas viagens que faremos, nessa nossa grande jornada.
2010 me trouxe motivos para chorar. E o fiz, como sempre.
Mas em várias estações fui surpreendido por grandes doses alegrias.
Alegrias nos trazem leveza e excitação. Tristeza nos traz ensinamentos, e pausas necessárias ao recomeço. Nossa sabedoria consiste em retirar de todas as situações, experiências que nos engrandeçam, motivos para prosseguir, coragem para as escolhas futuras e, sobretudo, maturidade e força para que nada, nunca, nos torne amargurados, descrentes, infelizes.
Ninguém disse que seria fácil viver. E não é mesmo. Mas é escandalosamente simples, apesar de todo nosso esforço para complicar cada passo/segundo.
Vou citar o Fernando, em uma de suas Pessoas, que citou o general romano Pompeu, e lembrar que ao contrário de navegação logicamente exata, viver é tarefa deliciosamente imprecisa. Nem bússola, astrolábio ou GPS pode nos auxiliar.
Seguimos todos em uma mesma nau. A Terra, esse errante planeta azul. Mas temos, cada um, nossas próprias rotas, que por vezes se cruzam. Por vezes são compartilhadas. Por vezes seguimos juntos, na mesma direção. Em outros momentos, nos distanciamos dos velhos companheiros. Seja como for, navegamos por rotas solitárias, apesar de sermos totalmente dependentes uns dos outros e, por isso mesmo, termos nossos trajetos influenciados pelas rotas de cada ser, navegante como nós.
2011 se apresenta como novo horizonte. Mar aberto a ser explorado.
Então, que façamos mais escolhas certas dessa vez.
Saibamos imprimir a velocidade certa em nossa jornada. Respeitando tanto nossa nave quanto os que navegam próximos a nós.
Se cruzar com náufragos, que sejamos solidários para resgatá-los, e auxiliar na retomada do próprio caminho.
Tenham fé, e viva cada dia do novo ano orientado por ela.
Lembre-se, o amor que temos pelos outros é essencialmente nosso. E é a nós que ele enobrece.
A verdade com a qual vivemos pode não importar a mais ninguém, mas será sempre imprescindível a quem a cultiva.
Mais importante que porto seguro, será sempre bons faróis. Posto que as paradas serão breves. E a jornada, essa é eterna.
Mais rico que tesouros em baús, são as amizades, pois que nos alegraram e anima quando perto. E sendo verdadeiros, sempre os saberemos próximos, mesmo longe.
Pior que as tormentas, são as grandes calmarias, pois nos iludem. E a Paz não pode ser confundida com apatia. Nem todo embate deve ser guerra.
O ódio! Esse sim deve ser extinto.
E, conta não o fato de seguir em um grande iate ou um humilde veleiro. Conta a qualidade dos nós que seguram os laços e a firmeza do leme. Em qualquer um dos casos, mantenha sempre um lugarzinho para acolher outros navegantes. Mas saiba, companhias partem da mesma forma que chegam, quando menos se espera.
Não será Deus, independente da forma que você O conceba, que nos punirá pelos erros, ou nos premiará pelos acertos. Seremos nós mesmos.
Por isso, não espere ganhar o Céu, nem tema o inferno. Apenas viva de forma a ter uma consciência tranquila, e ser plenamente feliz.
Se for motivo de orgulho para os seus contemporâneos, e exemplo (farol) para seus descendentes, tanto melhor.
Essa é sua vida e são suas escolhas.
Então, em 2011:
Escolha amar.
Opte pelo perdão.
Eleja o respeito.
Prefira a solidariedade.
Seja partidário da tolerância.
Traga sempre contigo, sorrisos.
Prefira a cordialidade.
Mantenha acesa sua fé.
Trate a todos com Gentileza.
Trabalhe o máximo que puder.
Não desperdice, nem adie, os prazeres saudáveis e honestos que a vida nos oferece a cada novo dia.
Seja você mesmo. Não se venda, nem se perca pelo caminho.
Ao construir, seja o que for, use a verdade como base.
Enfim,
Faça 2011 valer a pena.
------------------------------------------------

28 de nov. de 2010

E eu nem sou Adoniran...

E assim, sem motivos algum, ou mesmo me conhecer,

Talvez até sem intenção (mas não sem vontade)

Deu pra me atacar.

E me sinto penetrado, dilacerado.

Revirado de toda forma.

Armas? Nenhuma

Apenas esse seu penetrante

E fatal olhar.

Motivos para tantas lembranças e saudades.

Apesar de admirar muito o Belchior, e ter nele um exemplo de letrista e compositor, tenho clara noção de que vou precisar de muitas vidas para me aproximar do jeito que ele compõe. Apesar disso, e inspirado nele, também me sinto obrigado a responder uma carta (no meu caso, um "scrap") de um amigo (no caso dele, foi de fã). Aqui está...

Os campos da minha infância eram mais floridos sim.
Com multicores margaridas.
As águas dos velhos riachos eram puras e cristalinas.
No tempo certo, colhia-se mais frutos no cerrado que nos pomares e quintais.
Aliás o mundo todo era nosso quintal.
Nosso campinho, nossa pista de pega-pega.
Em algum lugar havia ditadura, com generais desumanos (e idiotas) mandando em tudo (acho que se chamava Brasília esse lugar).
Mas lá, em meu enorme mundo real éramos livres.
E ainda sou (não totalmente, pois cresci, e adultos não sabem bem como é isso...)
É, meu amigo. O jeito simples dos meus pais;
A existência de alguns padres, umas professoras; certos negros generosos e carinhosos;
Uns poucos amigos que foram/são mais que irmãos;
Algumas Marias, pequenas e nenéns;
Famílias que adotei como minhas e que me adotaram também;
Os beijos dados e os que não aconteceram;
Alguns “sins”, e muitos foras;
Tirinhas do Papa-capim e do Chico Bento, e revistas de humor escrachado e sem noção; Muitas viagens, umas felizes e outras bem tristes;
Algumas “viagens” bem malucas;
Porres e ressacas; Teatros e corais;
Palavras de ordem e gritos de guerra;
Coreografias ridículas e cânticos de fé;
Defesas dos direitos e pequenas infrações;
Sonhos sagrados e desejos profanos;
Surpresas agradáveis e decepções.
Tudo isso, meu amigo. Mas, sobretudo a certeza de ter vivido a vida no máximo de minhas possibilidades, e ter sido pleno, é que moldou o “Naza” que te escreve agora.
Sim. Sou saudosista sim!
Mas não vivo no passado.
Gosto de me lembrar sim.
E sinto essa saudade gostosa.
Mas se me esforço para manter vivas as lembranças do que vivi, é para não perder de vista o garoto pobre de pés descalços e livre, que um dia fui, lá na baixadinha.
E para não errar muito na avaliação atual sobre esse cara que hoje vive na capital, mas que não é máquina e não quer deixar de sentir, pensar e amar como as “gentes” de verdade que conheceu pela vida.
É por isso, meu amigo.
E saiba, o “Naza” de hoje so existe porque vários outros “Nazas” viveram todos esses momentos, e se transformaram, cresceram e deixaram de existir para que todos pudessem ser esse eu.
Mas não se preocupe, nem se anime. So estarei contigo nesse momento.
Logo Também não estarei mais aqui.
E outro “Naza” falará com você, lembrando desse meu sorriso, idiota mas verdadeiro, que é lavado por essa lágrima feliz.
Sei que estou aqui, e esse é o melhor momento para se viver. Mas para saber disso, e ter a mínima capacidade de aproveitar o agora, eu devo a todos os passados.
A todos os você que foram para você existir, meu carinhoso abraço. Espero que em algum lugar do seu presente, ainda existam traços de lembranças dos outros você, que um dia foi...

Boa dica de presente

Final de ano, festas, renovação de sonhos, confraternização e troca de presentes.
Aqui uma ótima sugestão para presentear colegas de trabalho, familiares, amigo oculto, chefe, funcionário, pessoa que se pretende conquistar, moça simpática do caixa do mercadinho da esquina, jornaleiro gentil...
Enfim, para todas as pessoas.



Por apenas R$ 15,00 você tem certeza de agradar a você mesmo e a todos.
Envie seu pedido, com comprovante de depósito para o e-mail: naza.poeta@gmail.com, juntamente com seu endereço. Se desejar que seja enviado para outra pessoa, inclua os dados do presenteado (mas eu sugiro que você entregue pessoalmente, com abraços, cafezinho, cerveja ou vinho e boa conversa).

Conta para depósito:
Titular: Nazareno de Sousa Santos
Banco do Brasil
Agência: 3607-2
CC.: 35.530-5

Todos os pedidos feitos até o final de dezembro será enviado com frete grátis para todo Brasil.

Inexorável Rota Insana

O despertador não dá trégua. Toca, toca, toca. Insistente, barulhento, ecoando pelos quatro cômodos da pequena casa situada no Jardim Novo Mundo, em Goiânia. Melhor não resistir, apesar do desejo enorme de não sair da cama. São seis da manhã, e a professora precisa encontrar forças em alguma parte do seu ser para enfrentar mais uma semana que, certamente não será diferente das demais. Está cada vez mais presente o forte desejo de parar de vez com o magistério. A total falta de interesse da maioria dos seus alunos somada à duradoura desvalorização, e desrespeito da classe pelos governantes, e donos-vis de escolas, funcionam cada vez mais como desestimulantes. Mas parar como? O que poderia fazer agora, se lecionar é o que ela tem feito por longos 23 anos? Não tem saída, vai resmungando como sempre faz todas as manhãs, sobretudos nas segundas-feiras, mas vai resignadamente se dirigir à escola municipal ministrar aulas de geografia e história as séries finais do ensino fundamental. “Só mais alguns anos e me aposento”, é o pensamento que tem servido como falso refúgio para acalmar sua alma que já não se excita com mais nada nessa vida. Na rua os carros sonorizam o início da rotina, as buzinas ditam o ritmo frenético, por toda parte diversos sons urbanos preenchem os espaços, nos lembrando que já é mesmo hora de acordar. Afinal o dia já começou, e é segunda-feira. A desiludida professora, sem um pensamento feliz que seja, se veste sem empolgação, escova os dentes amarelados pela nicotina, prende o cabelo com uma liga bastante gasta, pega sua bolsa com os diários desse ano, os livros que há cinco anos usa algumas páginas fotocopiadas e saí. Segue para o terminal do Eixo Anhanguera, se aperta no ônibus que a levará até quase atravessando completamente a cidade, numa viagem de quase meia hora, para chegar ao terminal Padre Pelágio. A escola em que trabalha fica próximo à rodovia dos Romeiros, que leva à Trindade. “Lá vou cumprir mais uma penitência social”. Pensa consigo!

Muito longe de Goiânia, no Mato Grosso, às margens do Rio Taquari, próximo à cidade de Alto Taquari, existe um povoado, distrito de Alto Araguaia. Lugar chamado de Vila do Buriti, há lá uma mercearia, uma escola com poucos alunos, um boteco, um telefone público, ou dois, e não mais que duas centenas de moradores. É lugar tranquilo, com pessoas acomodadas, para se chegar lá, é necessário descer a perigosa Serra Preta, se está indo das bandas de Alto Taquari, ou enfrentar a estrada com intermináveis bancos de areia, se o aventureiro vem dos lados de Alcinópolis e Coxim, no Mato Grosso do Sul. Nesse lugar, no mesmo momento que professores de Goiânia seguem em ônibus lotados para suas salas de aulas, uma velha senhora está de pé, preparando um café cujo aroma pode ser sentido não só na cozinha, mas no quarto pequeno e no banheiro úmido e lodoso, que compõem sua pequena morada. Ela também não sorri. Não conversa. Não reclama. Não faz planos pra hoje. E não se lembra de quase nada. Mas isso foi uma escolha feita há vários anos. Ela apenas passa seu café em seu velho coador de pano borrado, senta-se sozinha, como faz todos os dias e toma seu café sem nenhuma pressa. Afinal não faz a menos diferença que dia é hoje. Na verdade ela nem sabe que é segunda-feira. A única coisa que ela vai fazer em mais esse dia é esperar. Esperar que anoiteça e, principalmente, que uma certa visita finalmente venha lhe ver. Teve cansaço, irritação, ressaca, dores de cabeça, corrida aos bancos, para cobrir os gastos do final de semana. O transito foi, como sempre, infernal. O dia pareceu maior do que realmente é. Tudo isso por que é segunda-feira. A noite encontrou uma professora desiludida, corrigindo provas em sua casa na periferia de Goiânia. Na Vila do Buriti, uma velha sozinha, com sua TV de 20 polegadas com seletor e válvulas em preto e branco, não mostra nada interessante. Ela não recebeu a visita que tanto deseja. Não recebeu cartas, não recebeu notícias de quem quer que fosse. Não chorou nem sorriu. Apenas esteve ali, em mais um dia. Uma segunda-feira.
Às treze horas uma jovem e bela enfermeira, em início de carreira verifica os sinais vitais dos pacientes de sua ala, no Hospital Albert Einstein. Mineira de Araguari, morena, 21 anos, formou-se há menos de 4 meses conseguindo o que considera o estágio dos sonhos. Autoconfiante sabe que terá uma carreira brilhante devido à profissão que escolheu. Morar sozinha em São Paulo, não mais depender da mesada que seus pais ainda mandam é uma demonstração clara de que estava no caminho certo. Tem também o novo namorado, jovem e promissor engenheiro, que a trata como sempre imaginou. É uma pessoa realmente feliz e está num bom momento de sua existência. Nada, nem mesmo o fato de ter que limpar excrementos de pacientes idosos, é capaz de estragar seu dia. Nenhum dia. Inclusive nessa terça-feira. No Mato Grosso, a aziada velha, moradora da Vila do Buriti, como acontece em quase todos os dias, não sai de casa. Sequer vai ao seu portão. Só vê a luz do sol pela janela de madeira, que abre para deixar sair um pouco o mau cheiro do seu banheiro imundo. E, novamente, nenhuma visita vem lhe ver. Nada muito interessante, nesse dia. A bonita enfermeira prossegue otimista, vivendo amando e aprendendo. Enquanto a lastimosa velha vê passar mais um dia. É assim. E assim foi mais uma terça-feira.
Noite de jogo. Escalado pela primeira vez como titular, o zagueiro está ansioso, apesar disso confiante. Jovem, filho de agricultores extrativista, sempre gostou muito de futebol, como todo garoto. Quando criança era apenas diversão. Mas sua ginga despertou interesse no treinador da escolinha do Andirá Esporte Clube, onde começou nas categorias de base. Agora está ali, vestindo o uniforme verde-negro. O Estádio José de Melo não está exatamente lotado, tampouco é decisão. A temporada do campeonato acreano está no início más, para ele que inicia jogando pela primeira vez, a sensação é de que todos os torcedores de Rio Branco estão lhe olhando. Ele termina de amarrar a chuteira e, antes da preleção final do treinador, procura um canto do vestiário e, sozinho, faz sua prece silenciosa.
No vale do Taquari, a noite encontra aquela resignada velha que novamente passou o dia como se não o fizesse. Ela se deita, sem esboçar sorrisos e sem chorar. Não vê motivos para nada. Nenhum sentimento lhe toca. Sente aquela sensação de ataraxia defendida pelos filósofos estóicos de Atenas. Apenas deita. Se deita apenas por ser noite, afinal não tem vontade. Foi mais um dia sem a sinistra visita que aguarda. Em Rio Branco o jogo prossegue. A atuação do jovem zagueiro é modesta, mas ele acredita que agora pode se firmar como titular. Certamente não acabará sua vida como seus pais, coletando açaí e castanha. E quem sabe poderá até conseguir alguns contratos com times do Rio, o de Janeiro ou São Paulo, se assim fosse ficaria rico. Ser convocado para a Seleção. Morar na Europa. Tornar-se pop star. Ficar rico. Agora seus dias não mais seriam iguais. Ao contrário dos dias da amarga velha da Vila do Buriti. Para ela, mais um dia chega ao fim. Um dia qualquer. Para ele, esse dia ficará marcado para sempre. Afinal é dia de futebol. É quarta-feira. Foi quarta-feira.
Corrupto, o velho Senador com 79 anos da novíssima República se esforça para aprovar seu projeto que beneficia diretamente um grande empreiteiro, de quem receberá uma generosa propina. É quase um Cícero na tribuna. Tem grande capacidade de persuasão sendo ardiloso articulista. Para ele não é difícil convencer seus pares da CCJ afinal 3/5 dos insignes parlamentares lhe devem favores pessoais. Para ele é uma grande vitória, e acredita que no plenário não terá problemas também. Numa ligação, ele fala com seu corruptor obtendo a confirmação de que os milhões acordados serão transferidos para as contas das pessoas por ele indicado. Após o almoço passa no gabinete assinando documentos, passando instruções aos assessores. Do aeroporto JK embarca no meio da tarde para o Maranhão, uma vez que o expediente da semana já se encerrou. Afinal é quinta-feira. Na vila do Buriti, a casmurra mulher lava as poucas roupas que possui, sem capricho, sem preguiça, sem vontade. Sem nada. Apenas lava. A maldita visita não veio hoje, e ao que parece não vem mesmo. Naquele final de dia o Congresso Nacional está praticamente vazio. Nenhum Deputado e tampouco Senadores estão mais em Brasília, por fim no Planalto Central a semana termina na quinta-feira. E tanto no DF quanto na divisa do planalto do Cerrado com a planície pantaneira, a sisuda velha vive sozinha, sendo proprietária de apenas uns poucos trapos para lavar, ela encara a si mesma de forma totalmente díspar de um senador corrupto, hoje é quinta-feira.
Ah! A sexta-feira, dia internacional da cerveja. Dia em que os jovens iniciam a odisséia dionisíaca do final de semana quando acontece the best in happy hour the city. Todos esperam parar mais cedo indo logo p`rum bar começando ainda com sol a azaração. Na Avenida Cesário de Melo, nº 3226, em Campo Grande, no Rio de Janeiro, no entanto um experiente segundo sargento bombeiro está de serviço, e sabe que o dia será carregado de ocorrências, urgências e emergências. É assim todas as sextas-feiras, muitos acidentes e o grupamento do Auto Socorro de Emergência não tem folga. Os poucos momentos entre um salvamento e outro é preenchido na tentativa de manter o controle emocional relaxando o mínimo possível conforme o estado de sempre alerta.
Quando o sol começa a se por, e a noite começa a se apresentar, a situação se torna muito mais tensa. Irresponsáveis motoristas bêbados se matam. Matam pessoas que nem participaram de sua comemoração, ou de sua mágoa, que não beberam com eles. Desiludidos que resolvem não querem mais viver. Tem aqueles que imaginam ter o direito de interromper a vida de outros. “Balas perdidas”, reação a assaltos, guerra da polícia contra traficantes. A criança que se engasga com qualquer coisa que mal caiba na boca, e não passa pela garganta. O gatinho que ficou preso no alto de alguma árvore. Tudo isso torna as sextas-feiras dias muito cansativos para os bombeiros. E nesse dia não é diferente. O segundo sargento não reclama, a menos que não consiga salvar uma vida, mas não vê a hora de deixar o turno, quando a noite de sexta-feira acabar. Enquanto isso não acontece, segue ele atendendo todas as chamadas com presteza, eficiência e boa vontade. Na Vila do Buriti, a pacata velha dorme, depois de um dia intensamente vazio quanto os demais. Um brinde. Afinal é sexta-feira!
O Sol nasce, e um chicleteiro chega em casa na manhã de sábado, depois de uma noite inteira passada ao som de muito axé e centenas de beijos na boca. Beijos rápidos, sem envolvimento em pessoas de quem ele não sabe o nome, e certamente nunca mais saberá. Cheio de tanto vazio, ele chega pra dormir. Está feliz. Ele mereceu, depois de uma semana cheia de trabalho no escritório de contabilidade onde é escriturário, a festa no Bairro da Liberdade foi um ótimo programa. E agora, mesmo morando ali, pertinho da praia de Jaguaribe, não quer saber de mar. Ele cai na cama e logo adormece. Provavelmente passará o dia na cama. Pode, até mesmo, emendar com a noite que virá. Não tem, e não quer obrigações nesse dia, afinal é sábado. A cordata velha da Vila do Buriti não se importa se é sábado ou inverno. Ela faz as coisas de sempre. Toma seu café passado no coador de flanela. Assiste o dia passar, sem esboçar sentimentos, novamente nenhuma peculiar visita. Em todo canto de Salvador se ouve música. A capital baiana é uma festa, de vários ritmos, para todas as tribos. Mas aquele contador-chicleteiro não vai sair da cama. Afinal é sábado.
Em Juazeiro do Norte o domingo é dia de missa, para muitos fiéis de visita à estátua de Padre Cícero. Devotas e devotos de todas as idades, cidades e intimidades aproveitam o dia para demonstrar sua fé. Agradecer por graças recebidas e pedir novas intervenções do santo cearense.
Em Goiânia aquela vassala professora desejando apenas se aposentar, perde seu tempo vendo programas na televisão. Uma jovem enfermeira e seu namorado visitam o MASP e depois caminha pela cidade que está vazia, e sem chuva. No Acre um jovem zagueiro está no banco de reservas do Andirá Esporte Clube, mas sabe que entrará no segundo tempo da partida contra o Plácido de Castro enquanto o ímprobo Senador da República pelo Maranhão, recebe alguns companheiros de partido, empreiteiros e membros do Palácio dos Leões para um churrasco, regado à cerveja alemã e azeite lusitano, claro com a presença de algumas bonitas mocetonas, monetariamente atraídas para “animar” a festinha. No Rio, um segundo sargento bombeiro aproveita o domingo de folga para ir com a esposa e o filho adolescente remar na lagoa Rodrigo de Freitas. Em Salvador, no Mangue Seco de Tieta, os salva-vidas não conseguem socorrer um jovem arrastado pelas ondas. Ao ser retirado do mar, o chicleteiro escriturário já não respira. Ninguém sabe como pode ser, já que ele era excelente nadador. Não farão necropsia, e jamais saberão que foi seu jovial coração que decidiu parar de bater, naquela tarde de domingo.
Enquanto isso, a macambúzia velha vivente sozinha na Vila do Buriti, vê o dia arrastado passar. Ela não se importa com nada. Às vezes se lembra do marido morto há alguns anos, e do filho que se mudou ainda garoto, para Campo Grande, sem jamais dar notícias. Conformou-se logo, com a idéia entendida como sina das mulheres a condição de ficar sozinha quando se envelhece. Seu filho se foi pra longe, e não lhe deu nenhum neto. Ele tornou-se pai de dois filhos, entretanto nunca trouxe nenhum deles para conhecer a solitária avó. Ela vive ali, sozinha. Não vai à igreja. Não quer mais saber de conversar com os vizinhos. As poucas saídas são pra ir à mercearia quando precisa comprar mantimento. Além disso, não arreda pé de casa. Não quer correr o risco de sua visita aparecer e não encontrá-la. Nessa tarde ela está lá, sentada, olhando pela janela, enquanto espera o dia passar, e a visita aparecer.
A noite chega. Algumas pessoas vão pra rua, aproveitar os últimos instantes do final de semana, outros continuam perdendo tempo de frente à TV, outros choram os entes perdidos. Nas igrejas poucos fiéis oram, rezam, estudam, pedem e agradece. Mas na Vila do Buriti o cheiro de gordura do jantar simples se mistura com o do banheiro imundo e com o sempre presente aroma de café. Enquanto se prepara para deitar a acabrunhada velha, em um raro momento, deixa escapar um pensamento, que nos faz entender o sentido que sua vida tem agora: “Ô meu Deus, até quando ainda terei que esperar para que a morte venha me visitar?”. É domingo!
Daqui a pouco será segunda-feira novamente. A semana recomeça e a rotina se repete. A vida continuará seguindo seu curso, inclusive na Vila do Buriti, para a amargurada velha já muito cansada de viver a espera do corte do fio das Moiras.

11 de nov. de 2010

Festejando...

Eu não sou Baleiro,
Oswaldo tampouco sou
Jorge não é meu nome,
E se não sei djavanear
Como é que posso cantar o amor?
Esse que está aqui, e pulsa forte
Que está em mim, e me faz vibrar
Me torna vivo, como energia
Me revigora, como alimentar
Que me faz sorrir,
Como ouvir histórias
De homens ao mar,
De veredas e sertões,
Ou “causos” de assombrar.
Como ouvir poesias de qualquer “Pessoa”
Ou letras brejeiras de uma certa Cora.
E se Florbela “Espanca” corações errantes,
Hilda reconstrói, como ao recriar
A descontinuidade de uma flauta doce.
Sendo assim reforço,
“À quem interessar possa”:
Mesmo que o abraço bom da boa anciã
Que ainda é “Pequena”,
Ou o doce gostoso da negra “Neném”,
Não me adocem a vida
Ainda vou deixar voz exposta
Em muitas canções,
Mesmo que sem ritmo
Ou desafinada
Pois o bom da vida,
Essa que é real,
É saber-se gente
E celebrar sem medo.
Mesmo que nem sempre o céu esteja azul,
E os poemas sumam,
Ou fiquem tão escassos.
Que as crianças livres,
Parem de correr nos campos.
Ou não tenha lua, pra romancear,
Nem flores roubadas, para te alegrar.
Pois, se um dia do outro nunca é igual,
Sempre vai haver “São João”,
Depois do Carnaval.

Jardineiro

Inda que me fira, às vezes,

Com alguns espinhos,

As minhas roseiras eu vou cultivar.

Pois o pouco sangue,

e a pequena dor

Sempre são menores que o bom perfume

E a combinação perfeita

De textura e cor.

10 de nov. de 2010

Quíchua

Ironia irritantemente agradável,

Humor docemente ácido,

Sagacidade típica de quem exercita mais a mente que o corpo.

E essa sinceridade assustadoramente bem vinda.

Explicitamente bela,

Com nuances deliciosamente sutis.

Jeito maliciosamente puro

Sorriso maroto,

Olhar esperto,

Fala segura

Comportamento delicadamente maduro.

Nome de imperatriz,

Porte de rainha e,

Potencial para deusa.

Com seus anjos e demônios.

Mesmo sendo assim, tão menina e tão mulher.

Seja em Aparecida, em Cuzco, Canedo,

ou aqui!

Excelente companhia pra se ter.

E, veja que sorte a minha,

Que um belo, simplesmente (assim).

Encontrei você!

9 de nov. de 2010

Distorcida sintonia...

Não teve música preenchendo o ambiente.
A luz não mudou de cor,
(O Arco-íris, claro, não surgiu).
Nem fizeram pausas dramáticas.
É, a vida não é mesmo como nas novelas,
Tampouco como no cinema.
(E não é irônico ou romântico.
Tem apenas o a intensidade dos sentimentos).
E, se encontraram.
Depois de tudo
(e tanto tempo).
Fingiram alegria,
Ele quis até sorrir...
(...)
Palavras soltas,
“Como tem passado?”
Cerveja amarga.
Minutos longos.
Por fim, um beijo no rosto
(frio, pesado...
Mais suave teria sido um soco).
Despedida amena.
Votos comuns
(... felicidades...)
Indiferença...
Lembrou-se de um tempo em que acreditou que eles formavam “nós”.
E de quando descobriu que, por acreditar sozinho,
Ele era apenas “eu”.
(...)
As lágrimas?
Não foram pelo que eles são agora,
Nem pelo que poderiam ter sido.
Mas pelo que fizeram deles,
Pelo que fizemos com eles.
Pelo que ela fez
Pelas escolhas tortas.
Pelos planos abandonados,
E acordos quebrados.
Foram por tantos passos abandonados no meio do salão
(antes que a música terminasse).
E, por nem ao menos, sentir raiva.
Mas por tamanha indiferença.
Por ver toda aquela magia (que imaginou um dia)
Totalmente morta...
(...)
E seguiram, sem música pra embalar
o caminho em que seguiam.
Más por certo havia música.
Só não conseguiram perceber,
Por conta dessa
Distorcida sintonia.
.............

3 de nov. de 2010

2 de nov. de 2010

Apenas quero...

Hoje eu quero apenas tudo.

Que seja de bom,

Que seja do bem.

Quero cantar,

Falar, com você!

Me encantar outra vez.

E outra vez querer o novo.

Que seja parecido com o que já foi,

Ou com o que nunca será.

Que seja.

Olhe ao lado.

Olha-me.

Veja o que sinto.

Veja tudo,

Ou não veja.

Apenas venha aqui.

Não diga nada,

Mas queira tudo e,

Agora, simplesmente me beija

A companhia, e já basta...

Nem precisar ter o beijo!

Sexo é bom, mas nem é o que mais importa.

Pode até não ter abraço.

É mesmo meio bobo esse meu afeto,

Pois o que quero mesmo

É ter você, sempre aqui.

Sempre perto.

31 de out. de 2010

Músculo involuntário

Quero doar meus órgãos,

Para que sirvam a alguém,

Quando não mais os vestir.

Preciso, entretanto, de sua permissão.

Pois que é seu, meu coração.

Como espelho

Lembrei-me de você,

Como sempre me lembro de nós.

Pretendi esquecer. Impossível, você não sai de mim.

Guardei as fotos na gaveta mais funda.

As cartas digitalizei, para queimar, simbolicamente, os papeis.

Troquei o perfume.

Já não me visto como antes.

Meu prato preferido, mudei também.

Mas acordei pensando em nós.

Memórias que estão na pele.

Na saliva,

No olfato e paladar.

No meu jeito de pensar.

Em todos os meus sentidos.

Em como respiro pra viver.

E eu simplesmente me lembro de você.

Me lembrei e tive medo.

Medo de falar sempre de você,

Já que está totalmente em mim.

O que dirá meu toque, acariciando outros corpos?

E meu beijo, não dirá seu nome?

Meu suor terá seu perfume?

Será o seu gosto, em minha saliva?

Arrepiará meu corpo, o seu calafrio?

E quanto à você?

Te alegrará, meu sorriso aberto?

Em sua solidão buscará meu colo?

Será minha proteção, a espantar seu medo?

Seus suaves movimentos buscarão meu gozo?

Futuros amantes hão de entender

Que estas em mim, e eu em você,

Como tatuagem, para toda vida.

Mas eu tenho medo

Que confundam nossas vozes.

Que reconheçam o outro, em todos os nossos poros,

E que me vejam em ti

Como é bem fácil enxergar você

Sempre que olharem dentro dos meus olhos.

20 de out. de 2010

Sobre as Fênix de cada um...

Essa história do resgate dos mineiros, lá no Chile, mexeu com todo mundo. Por algum motivo todos se solidarizaram com aqueles 33 homens (coincidentemente o mesmo número aceito como a idade de Cristo).

Houve esforço do governo chileno e colaboração de especialistas de vários países. E, por fim eles foram resgatados. E todos ficamos felizes.

Sim, a felicidade foi compartilhada. Mas tem uma coisa que é só daqueles homens. O fato de terem sido resgatados. E é isso que me trás aqui.

Para melhor expressar o que quero dizer, vou trocar “resgatados” por “salvos”. Espero que os leitores não se importem.

É que quero aqui falar dos efeitos que o fato de ser salvo provoca em uma pessoa.

Claro, a minha experiência se restringe a minha própria vivencia e à poucos casos que tive a sorte de assistir.

Muitos já disseram que “as derrotas nos ensinam mais que as vitórias”. Tem muita verdade nessa afirmação. Mas por tudo que passei pela vida, até hoje, posso dizer que o que realmente faz diferença na vida de alguém, é o número de vezes, e as formas que se é salvo.

Mais que as derrotas e as vitórias. Mais que as conquistas ou as decepções. Ser salva muda, verdadeiramente uma pessoa.

Por que posso afirmar isso? Por ter sido salvo várias vezes.

E não estou falando apenas de ter a vida, literalmente (por assim dizer, já que em todos os casos, acho que literalmente caí bem) salva. Mas de ser salvo das mais variadas formas.

Não que eu não tenha sido salvo da morte alguma vez. Fui sim. Por duas ocasiões.

Na primeira eu estava me afogando, lá no córrego do Cedro. Poço pequeno, farra de garotos. Todos pequenos. Eu devia ter entre 9 e 11 anos, não me lembro bem a idade. Mas não vou me esquecer nunca o fato. Lá estava eu, sem ser notado por ninguém, me afogando, quando um garoto grande, o maior que estava lá, até destoando da turma, passou perto de mim com uma câmara de ar. No reflexo eu me agarrei por um instante. Foi rápido. A conta de me mover uns dois passos do ponto onde estava, e já estava à salvo. O garoto brigou comigo, me achando folgado, por me apoiar em sua “bóia”. Ele não faz idéia, mas eu teria morrido ali, em alguns minutos e ele, sem querer, me salvou.

A segunda vez que fui salvo da morte, foi mais trágico. No alto de uma cachoeira de cerca de 20 metros, eu preparava uma corda para um rapel. À minha frente a cahoeira, que tinha, lá em baixo pedras, e nenhum poço onde pudesse mergulhar. Atrás de mim, um barranco de cerca de dois metros, de pedra úmida, com lodo. Difícil de sair, em caso de emergência. E foi nesse cenário que um enxame de abelhas europa achou de me achar. Elas chegaram de repente, e em um momento eu já não conseguia abrir os olhos. Foi uma das piores sensações que eu tive em toda minha vida. Não sei quanto tempo durou aquilo, mas pra mim foi uma eternidade. Eu não conseguia subir a parede atrás de mim. O que me fez pensar em pular lá de cima. Pensei mesmo. Poucas pessoas sabem disso. E poucas pessoas fariam o que fez meu amigo Sávio Roberto. Ele me ouviu gritando por socorro e veio. Enfrentou as abelhas, levou várias ferroadas, mas veio. Ele chamou minha atenção, me estendeu a mão e me tirou daquele barranco. Correu ao meu lado até que nos afastássemos das abelhas. Ao meu lado. Me salvando.

Levei quase uma centena de ferroadas, fiquei alguns dias com dores por todo corpo. E algumas semanas com dores nos rins, que se esforçavam pra limpar meu organismo. E logo estava recuperado. Nós, os garotos do TEBE, fizemos piadas do episódio, rimos muito, e também tentamos tirar algum ensinamento desse fato. Mas eu nunca mais seria o mesmo. E não apenas pelo fato de sermos uma pessoa nova a cada segundo. Mas pelo impacto de mais esse salvamento.

Essas foram as duas vezes que fui salvo da morte. Mas não se resume aí as vezes em que fui salvo.

Na verdade várias foram as vezes que eu fui salvo por outras pessoas.

O Maurício de Sousa que, através de seus personagens, fez enorme diferença em minha vida, me oferecendo fugas de uma realidade dura demais para um garoto pobre, lá da “Baixadinha”, me salvando de um monte de possibilidades indesejadas.

Dona Felisbina, minha mãe, que ludicamente se disponha a ler comigo as deliciosas histórias de fadas, magias, gigantes, bichos falantes, príncipes e vaga-lumes. Ela se divertia de verdade, mas sem que ela soubesse (ou, quem sabe, soubesse bem), criava em mim o gosto pela leitura. Me salvando definitivamente, e para sempre.

Seu Durvalino, meu pai, em todas as vezes em que “ralhava” comigo, e em quase todas as “surras”, me salvava de mim mesmo, impedindo que eu fizesse alguma cagada muito grande.

Mas os pais sempre salvam seus filhos. Isso faz parte da vida normal de uma família medianamente saudável. E acontece ao longo de toda vida.

Isso é importante sim. Mas quando somos salvos por outras pessoas, é diferente, pois nem sempre é esperado.

E eu fui salvo em vários momentos, por diversas pessoas, e pretendia falar sobre todos os salvamentos nesse texto. Mas ficaria um pouco longo. Por isso farei isso em outros textos futuros. Pois o que eu quero aqui é reforçar os impactos que sofremos sempre que somos salvos de alguma forma. Assim como a Rose foi salva por Jack Dawson. Não apenas de pular do navio, mas salva da vida que levava e que a estava matando (sei que é piegas, mas ainda acho linda a cena do final do filme, quando ela responde Rose Dawson, quando um guarda perguntou qual era o nome dela).

O fato é que nunca saímos de uma situação de salvamento da mesma forma que entramos. Pode ser que com o tempo, as coisas voltem a ser como eram antes. Pode ser até que não se reconheça alguns salvamentos importantes.

Mas, se não formos egoístas ou ingratos, ser salvo é o que melhor pode nos acontecer.

Podemos esquecer um namoro terminado quando se estava achando o melhor momento. Podemos esquecer aquele emprego que não conseguiu. Podemos esquecer o concurso no qual fomos reprovado, ou um tapa que alguém nos deu um dia. Também podemos esquecer o beijo naquela garota linda, que viu naquela ótima festa, ou o prêmio conquistado em algum sorteio e aquela conquista. Tudo isso pode ser esquecido. Tiramos algum ensinamento de tudo, é claro.

Mas nunca esquecemos de alguém que tenha nos salvado. Nem da circunstancia. Sempre nos lembraremos, com detalhe, do exato momento em que fomos salvos. Sempre me lembrarei do Sávio Roberto, e do desconhecido com a “bóia”, ou da dona Biura, assim como os mineiros chilenos jamais esquecerão daquele 13 de outubro, nem de cada pessoa que estavam lá, na saída daquela cápsula. Assim como Rose jamais poderia ter esquecido Jack Dawson.

Quando uma pessoa nos salva, fica gravado em nós para sempre. Para, assim, nos lembrar que não somos totalmente autosuficientes, e que não podemos viver sozinhos.

E você, amigo leitor, quantas vezes já foi salvo? Ainda é grato por isso?

19 de out. de 2010

Da série de contos "ai, deu medo" - O último trago

Sentou-se no velho sofá, ligou a tv e tomou um gole de seu whisky barato. Já passava das quatro da manhã e ele estava totalmente acordado, mesmo sendo essa a terceira noite seguida sem dormir. Estava suado, tinha manchas de sangue por toda sua roupa e estava todo sujo de terra e lama.

Tomava um gole atrás do outro. Não via nada na televisão. Sequer olhava para a tela que só servia para clarear um pouco o ambiente, enquanto sua mente acelerada revia os últimos acontecimentos e repassava os planos futuros.

Já nem lembrava direito como e quando tudo começou, mas sabia claramente o porquê. E agora não dava mais para voltar atrás.

Na estante a foto da filha. Ele olhou como sempre olhava, com saudades da pequena que lhe foi tirada, morta em um assalto com apenas seis anos.

Foi o assaltante? Foram os policiais? Nunca ficará sabendo. Mas isso agora não faz a menor diferença. O que conta era que aquele assalto em uma casa lotérica pôs fim à sua paz. Paz que ele estava tentando recuperar a duras penas.

Levou tempo até consegui se erguer. Quase três anos após a morte da filha ele ainda não havia reagido. Perdeu o emprego, perdeu a esposa que, enlouquecida, se matou. Perdeu os amigos, que se afastaram, em clara demonstração de terem desistido dele. Perdeu a casa, perdeu a saúde e por fim, perdeu a fé.

Não acreditava mais que a polícia iria descobrir os culpados. Não acreditava, na verdade, se havia uma investigação. Não acredita que a justiça seria feita. Não acreditava que poderia voltar a sorrir, não acreditava mais em Deus. Acreditava sim, que a vida é injusta (não Deus, Esse não existia mais para ele). Acredita que devia morrer logo, para encurtar seu sofrimento. E um belo dia, que ele não se lembra exatamente quando, passou a acreditar em uma coisa nova. E vestiu de vingança.

Do primeiro lampejo de vontade, até a primeira ação foram mais de seis meses. Tempo usado para levantar informações, planejar cada etapa, arrolar os envolvidos e preparar os instrumentos necessários. Ele que passava mais tempo na cama, como um cadáver, aos poucos foi se levantando. O sol voltou a tocar com mais freqüência seu corpo debilitado.

Jardinagem e biscates diversos foi o que resolveu fazer, para voltar à vida, e ganhar o mínimo para a sobrevida.

O velho corcel marrom, quase sem pintura ainda lhe valia de transporte.

Mas sorriso era coisa que não se via em seu rosto.

Cortar grama, cortar árvores, consertar encanamento, limpar caixas d’água. Essas suas tarefas mais corriqueiras.

Gostava das plantas. Tinha especial predileção pelas rosas brancas e pelos lírios, as flores preferidas da pequena Teresa.

Trabalhava duro, todos os dias. O dia todo. E voltava sempre pra casa. Não ia a bares, não procurava mulheres, não falava com amigos (na verdade não os tinha mais havia um bom tempo) e não atendia ao telefone após as 18 horas. Tornara-se quase uma máquina. Uma triste e solitária máquina.

Sem qualquer vida social, suas únicas ocupação eram dar vazão à sua mente adoecida, embriagar-se com whisky barato e ficar na frente da tv, sem ver nada.

Há duas semanas passou a sair toda noite, sempre após as 23 horas, voltando tarde na madrugada. Os vizinhos nem se deram conta dessa nova rotina. Ninguém se importava mesmo com ele, e o barraco onde morava agora ficava em um bairro onde a normalidade é composta por coisas anormais.

A cada noite cumpria parte do seu plano sinistro.

E, na sua loucura, se sentia um pouco aliviado, sempre que voltava para casa.

Estava cada vez mais forte, e percebia que a cada madrugada crescia um pouco mais sua coragem para o último e mais importante passo que precisa dar.

Agora, enquanto tomava mais um gole do seu whisky barato repassou seu plano. Faltava apenas quatro noites, se nada saísse errado. E nada deu errado até aqui, por isso ele sentia que tudo aconteceria perfeitamente como planejara.

O alarme do relógio sinalizou 5 horas, ele deu mais um trago, e foi se lavar. Durante o banho, suas constantes lágrimas se misturaram mais uma vez com o resto de sangue que a água do chuveiro e o sabão retirava de sua pele. E ele tentava se animar, lembrando que em cinco dias estaria tudo acabado.

Quando sentirem falta dos desaparecidos, e começarem a buscá-los, e se encontrarem os 39 corpos, amarrados em grupos de 3 ou 4 à pesos metálicos, jogados no rio Meia Ponte, entre as Rodovias GO-19 e GO-20, certamente já terá passado bastante tempo. E se desconfiarem dele, ou não, e alguém ir à sua procura, não o encontrarão vivo.

Seu corpo estará sozinho, no velho barraco, sentado de frente à uma tv ligada, sem ver nada, como quase sempre foi. Ao lado haverá uma garrafa de whisky. Nada mais.

A velha e eficiente cicuta já estava diluída em uma das três garrafas de whisky que tinha no armário da cozinha. A única garrafa de um bom whisky 12 anos.

6 de out. de 2010

Uma madrugada fatídica (mas que ainda rimos disso, rimos sim)

Ah as boas histórias de Mineiros.

Já contei várias aqui. E ainda tem um monte.

Hoje me lembrei de mais uma que teve como cenário o bom e velho “Top-Lanches”, que ficava na Praça Dep. José Alves de Assis, em um tempo muito bom. A noite tinha aulas de contabilidade no “Instituto”, magistério e agricultura no Colégio de mesmo nome que a praça. E tinha uma turma impagável que estava sempre lá. O proprietário Toninho Gomes, contava com o auxílio do Negão (naquele tempo era normal chamar o Osmar de Negão, e ninguém dizia que nos processaria, inclusive o próprio Negão se chamava assim. Na verdade ele ainda se chama...) e, eventualmente do Necivaldo e desse cronista.

Sempre estavam por ali o Nei, o Kelson, Radimak, o Josimar, digo, aranha, a turma do 1º B, alguns participantes da JUBES e alguns que a memória propositalmente (como sempre faz as memórias) me faz esquecer agora.

Naquele universo cheirando a gordura e embalado por boa música (o bom gosto do Toninho e singular), comia-se as sanduíches com tempero da queridíssima Dona Pequena, e ria-se muito. O papo era sempre animado, e sempre se fazia piadas uns com os outros. Claro que todos eram sacaneados e todos sacaneavam. E íamos pra casa, já tarde da noite, leves e felizes.

Ali aconteceram muitas passagens que renderiam (e renderão) boas crônicas. A história que me traz aqui hoje foi um acontecimento um tanto trágico. O mais trágico que se passou (depois do roubo das caixas acústicas, que ficavam presas do lado de fora, protegida por grade metálica, formando o que parecia orelhas de coalha naquele trailer metálico).

Bem, voltando à história trágica, vamos aos fatos. Em uma noite tranqüila, sem muito movimento, de domingo. O avançado da hora já nos fazia pensar em encerrar o expediente. Estávamos eu, Toninho, Negão e mais uma ou duas pessoas, apenas. Eis que chega um amigo nosso, aqui chamado de “Sr. Fanta” para preservar sua identidade. Ele cumprimentou-nos, ficou uns dois ou quatro minutos de bobeira, conversando sobre nada, e resolveu se refrescar, ou matar a sede, não sei. Para isso pediu uma Fanta. Naturalmente eu peguei no freezer horizontal e, quando fui retirar a tampinha, com um abridor normal o Sr. Fanta interfere com sua voz muito grave, quase semelhante ao vozeirão do Henrique Gontijo

“precisa abrir não”, ele disse.

“Tudo bem”, respondi entregando-lhe a garrafa de vidro.

Ele pegou, fez um movimento com a mão, em uma pantomima como se limpasse a tampa da mesma. Claro que aquele movimento não limparia nada, ainda mais que usou a própria mão, sem tê-la levado antes. Mas isso não interessa agora. Ele fez o movimento e levou a garrafa até a boca, colocando a tampinha entre os dentes, com um movimento brusco, o típico movimento feito por quem abre garrafas, especialmente de cerveja, com os dentes, ele tentou abrir aquela garrafa.

O movimento brusco foi acompanhado de um som seco. Um tipo de “Cruc”. Vejam que não se ouviu o “tchiiiiiiiii” típico do escapar dos gazes de quando se abre uma lata ou garrafa de bebida gaseificada. O que se ouviu foi um “cruc”, nada mais.

O tempo foi curto, não mais que um minuto, mas imagino que para ele tenha sido uma eternidade, até que ele tenha tomado coragem de colocar a garrafa de volta no balcão e dissesse, meio sem jeito,

“Preciso achar um dentista”.

Lembro que era domingo e já passava da meia noite.

Não sei qual é o costume onde o leitor vive, mas lá em Mineiros, na época feliz do “Top-Lanches”, acredito que uma madrugada de domingo fosse um péssimo momento para se quebrar um dente abrindo uma garrafa de Fanta.

Claro que esse fato rendeu muitos risos e por muito tempo foi motivo de gozação entre os impagáveis frequentadores da boa e velha Praça José de Assis.

-----------------------------

Constatação:

É primavera!

E em meus dias iguais,

Não florescem as margaridas.

---------------------------------

25 de set. de 2010

Sobre falsas defesas e verdadeiras causas

Novamente sou forçado a sair em defesa de coisas com as quais não concordo muito.
Já tratei do tema quando abordei o caso do curso de direito do senador Marconi Perillo e quando discuti a proposta de criação de uma lista de mau pagador, para inadimplentes em escolas particulares. Não pretendia fazê-lo novamente. Não queria mesmo, afinal não concordo com o sistema em que vivemos. Mas não consigo me conter, vendo tantas manifestações que, do meu ponto de vista, são incompletas e muito parciais, outras são emotivas e passionais demais e tem ainda as pessoas que aproveitam a circunstancia para aparecer, ainda mais em momento tão conveniente como esse, de campanha eleitoral.
Estou falando da crise entre os cirurgiões cardíacos, e os médicos em geral, com o SUS e o sistema público de saúde de Goiás. Que teve como principal foco a recente morte, na segunda-feira (dia 20-09), de um bebê de apenas 20 dias, a quem a realização de uma cirurgia poderia ter salvado a vida.
Não concordo com o descuido com a vida dos semelhantes, e acho que se podemos fazer alguma coisa para salvar a todos que sofrem próximos a nós, devemos fazê-lo. Por isso me solidarizo com a família dessa criança. No entanto a que está em discussão aqui não é a responsabilidade ou não dos médicos, como alguns tentam nos fazer acreditar.
É muito fácil nesses casos nos posicionarmos de um lado, e acusar os médicos de negligência ou de descumprirem o juramento de Hipócrates. Ou, de forma mais amena, acusar as autoridades de não cuidarem da saúde do povo.
Bem, a segunda acusação faz muito sentido. No entanto a discussão não pode ser simplificada em acusações de negligência e responsabilidades. Seria reduzir muito as causas da maioria das mazelas humanas.
Ora, o que temos visto ao longo de anos? A defesa, por parte da grande maioria das pessoas, da livre iniciativa, autoregulação do mercado, liberalismo e neoliberalismo. O mundo vive exigindo que os governos saiam das áreas econômicas. Que se afastem da produção de bens e da oferta de serviços, para que o mercado possa se desenvolver livremente, e com o dinamismo que, dizem alguns, somente sem a presença atravancadora do governo é que pode acontecer.
Vivemos em um mundo capitalista. E toda idéia contraria é rechaçada com veemência, como se expulsa o demônio nos rituais de exorcismo. Os donos do capital pensam assim, os trabalhadores, de todas as classes sociais e os governantes pensam assim. Até o governo Lula fundamenta seu trabalho no fortalecimento do capitalismo e na livre iniciativa. Mas sempre que algum problema decorrente da própria natureza do capitalismo assombra a sociedade ou o planeta, estranhamente todos, principalmente os donos do capital, reivindicam a intervenção dos governos, como na última grande crise mundial do sistema, que teve seu ápice entre 2008 e 2009.
Meus amigos, precisamos definir, ou somos liberais ou não somos. Pois não é honesto agir sempre dessa forma: Quando tudo está indo bem, o governo fica fora, mas quando acontecem problemas, o governo paga pelo prejuízo. E quando, aqui, digo governo, estou me referendo à toda sociedade, sobretudo a grande maioria que nunca é convidada a desfrutar das benesses. E por “estar indo tudo bem” me refiro ao acúmulo continuo de lucros pelos detentores dos meios de produção.
E esse meus amigos, o lucro, é a locomotiva do sistema capitalista. Ele, o capitalismo só funciona tendo como objetivo único, o lucro. O que define o sucesso dos processos é medido pelo tamanho do lucro que se obtém. E a noção de lucro que se desenvolveu é aquela obtida pela exploração da criatividade e pelo esforço físico de quem realmente trabalha e produz, por aqueles que apenas possui o capital. É assim que é. O capitalismo e, por natureza, desumano e não permite solidariedade. Então se defendemos o capitalismo é incoerente esperar encontrar essas qualidades em quem controla, ou tenta controlar, o sistema. E, se dentro desse sistema ainda somos defensores, e todos os governantes e detentores do capital assim como a grande maioria da população, temos sido, do liberalismo ou ainda do chamado neoliberalismo, aí temos que defender o direito de negociar o valor do seu trabalho, ou do bem que produz, seja por um indivíduo ou por um segmento. É assim que é.
Eu preciso morar, mas duvido que alguém queira me vender um apartamento próximo ao novo parque da cidade, pelo valor que eu estou disposto, ou tenho condições de pagar. Assim também nenhum grande supermercado vai permitir que eu leve os itens da cesta básica (eu disse cesta básica, que é o mínimo que se precisa para alimentar minimamente uma pessoa) pagando, sei lá, R$ 4,73. Não sou eu quem define o valor que vou pagar por qualquer serviço ou bem, mas o próprio mercado. Isso vale para educação, lazer, moradia, cultura, alimentação e, no caso, saúde. Os médicos não acham justo o valor que o sistema público se propõe a pagar por uma cirurgia, e eles estão cobertos de razão em valorizar seu trabalho, e é direito deles, em um sistema capitalista liberal, aceitar ou não aceitar vender esse trabalho por um determinado valor. E não me parece legal, ou mesmo ético, tentar impor que esses médicos atendam forçadamente quem quer que seja. Isso, olhando de forma fria, como frio é o capitalismo, é no mínimo, incoerente.
Claro que não concordo, e fico indignado, ao ver pessoas morrendo em filas de hospitais. Da mesma forma que me causam indignação ver crianças morando na rua, milhares de pessoas morrendo de fome e (que é pior) de sede, ou o grande número de pessoas sem acesso a educação de qualidade ou a manifestações culturais (que no Brasil, e em boa parte do mundo, é relegado à um grupo muito pequeno de pessoas que podem pagar). E não venha tentar mascarar os fatos. A criança morreu por falta de atendimento, e não teve atendimento devido ao desentendimento entre médicos e o sistema público de saúde. Mas o culpado por essa morte e o mesmo culpado por tantas pessoas em todo mundo, de fome, infecções por falta de saneamento básico, falta de educação, atropeladas no transito cada vez mais caótico e pelas guerras, que é a manifestação maior da busca por lucro. Tudo isso é consequência do capitalismo e sua natureza exploradora e desumana, que todos temos defendido.
Não concordo com nenhum tipo de ditadura, por isso e por simples questões conceituais, não posso concordar que a experiência do Leste Europeu, Cuba e China tenham sido tentativas de implantar o comunismo. Da mesma forma não considero que vivemos em uma democracia, da forma como pensou um dia Platão. Por isso tenho tranquilidade em me declarar comunista por princípio. Mantenho em mim a utopia de um mundo mais igualitário e justo. Assumir isso hoje é, para maioria das pessoas, se declarar ultrapassado. Não me importo, podem pensar. Sei que é exatamente isso que esperam a pequena parcela das pessoas que controlam quase cem por cento de toda riqueza que existe. E sei que as experiências infelizes chamadas de comunismo, ou socialismo, colaboram para que tenhamos perdido a esperança. Sendo assim vou usar um outro termo que calha melhor. Sou partidário de um Sistema Solidário. Não me refiro apenas ao que se chama hoje de “Economia Solidária”, isso já seria um grande avanço. Mas me refiro a solidariedade plena como forma de governar. Onde cada um desempenha seu trabalho, baseado em seus talentos, e todos recebem o justo e necessário para viver bem, com plena igualdade de condições e, principalmente, onde ninguém morra de fome ou por falta de uma simples cirurgia.

23 de set. de 2010

Motivo

Sempre é festa em meu olhar

Ao ver você chegar

- - - - - - - -

Mistério

Ah! O que desenha esse azul?

É esse meu desejo:

Descobrir sua tatoo.
- - - - - - - - - - -

Eleito

É campanha eleitoral. Todos querem que eu vote.

Onde está minha atenção?

Bem aí, no seu decote!

O Serial

O telefone toca, insistente, no meio da madrugada. O detetive Ribeiro atende sonolento e ouve do outro lado a afirmação “temos mais uma vítima aqui, detetive”.
Ribeiro abre os olhos e pula da cama. A informação o faz despertar completamente, mesmo sendo 4:47 da manhã, ele tendo ido dormir quase duas. Ele se veste rápido e segue para o local informado pela voz do outro lado da linha.
Era do outro lado da cidade. Ele chegou rápido, nessa hora o transito é relativamente tranqüilo. Alguns policiais militares isolavam o local. Quase não havia curiosos. Apenas uma meia dúzia de pessoas assustadas, entre eles a moça loira que ligara para a polícia, aos gritos, dizendo que sua colega de apartamento estava morta. Bethânia ainda estava em choque, e era auxiliada por atendentes do SAMU que também estavam no local.
Ao chegar Ribeiro é recebido pelo cabo Oliveira, que o havia acordado com o telefonema.
“O que temos aqui?”
“Mulher, 26 anos, morena, solteira. Foi encontrada pela colega com quem dividia o apartamento”.
“Mesmas características?”
“Sim! Pulsos e garganta cortados e vagina costurada”.
“Meu Deus, quando isso vai parar?”
“Quando você pegar esse doente, detetive”.
Chegaram ao quarto da vítima, a cena do crime. O cheiro de sangue fresco preenchia o ar. O corpo de Letícia sobre a cama. Totalmente nu, como se estivesse sentada com as costas apoiada no travesseiro, e este na cabeceira da cama, pernas cruzadas, e braços cuidadosamente ajeitados, com as mãos se encontrando logo abaixo do umbigo.
“Nossa, ela era linda”, Ribeiro não se conteve ao ver o rosto bem cuidado emoldurado por longa cabeleira negra que se estendia até quase tocar o colchão.
“Um tremendo desperdício, não acha?” Concordou Oliveira, tentando ser engraçado.
“Que hora ela foi morta?”
“O legista ainda não disse nada, mas pelas características foi por volta de meia noite. A colega chegou por volta das duas da manhã e estranhou quando viu a porta do quarto aberta, luzes acessa e o som ligado, quando entrou no quarto encontrou isso”.
“Deve ter sido um susto e tanto. Coitada”.
Ribeiro, detetive experiente em colher evidências em cenas de crimes, ficou ali por quase duas horas observando, fotografando, coletando tudo que pudesse dar informações sobre o que aconteceu naquele quarto. Muito esforço e pouco resultado. Quase nada lhe pareceu fora do lugar. Quase nada que dissesse alguma coisa sobre o assassino. Outra vez ele havia sido cuidadoso, “limpo”, sem deixar rastros.
As 7:23 ele liberou a cena do crime para que os legista levassem o corpo da vítima para o IML, para depois. Ribeiro pediu para ser informado o mais rápido possível de tudo que descobrissem naquele corpo.
“Betão, estou indo. Bom dia”, se despediu do amigo Roberto de Oliveira, o cabo PM responsável pela segurança do local, e saiu passando pela pequena multidão que já se aglomerava no corredor do 6º andar daquele prédio situado no Setor Balneário Meia Ponte, e seguiu direto para o Cidade jardim, para a Delegacia de Investigações de Homicídio.
Pegou uma caneca grande de café, sentou em sua mesa e pegou todas as informações sobre a sequência de crimes que vem investigando há oito meses, e no qual a morte da jovem Letícia.
Doze vitimas nesse período. Todas jovens mulheres, bonitas, solteiras, estudantes ou recém-formadas. Quatro moravam com os pais, e foram mortas em quarto de motel, com registro feito no nome delas. As demais moravam sozinhas ou com amigas, e morreram em seus próprios quartos. Em comum o corte na garganta e nos pulsos, e o detalhe mais macabro, todas tiveram a vagina costurada com fio cirúrgico. Cinco pontos, amarrados bem apertados e sem cortar as sobras do fio. Como sujeira apenas o sangue das vítimas.
Outro ponto comum entre as vítimas, e que só foi descoberto mais tarde. Todas tinham romances secretos com homens casados. Mas isso não parecia ter nenhuma ligação com os crimes.
Desde o primeiro crime da série, Olavo Ribeiro, experiente investigador criminal assumiu o caso. Não imaginava que enfrentaria um serial killer.
Todos os especialistas forenses já se envolveram. De legistas a psiquiatra, todos tentando traçar o perfil do assassino. Nenhum avanço considerável até o momento. Uma coisa com a qual todos, inclusive a impressa e a comunidade é que se tratava de um doente psicopata. A essa altura a cidade já dava sinais de pânico, sobretudo os pais de jovens moças e as próprias, é claro.
Ribeiro não fazia outra coisa a não ser trabalhar no caso. Mesmo por que estava vivendo sozinho, depois de ter sido abandonado pela esposa, semanas antes do primeiro crime ocorrer. E, para suportar a dor da separação se dedicava ao trabalho quase vinte e quatro horas por dia, todos os dias. Não dormia direito. Não andava comendo direito. Um sorriso então, era coisa que não se via nele. Andava amargo. O Delegado, e o próprio secretário de segurança, já haviam decidido após concluir esse caso o detetive sairia de férias. Na verdade sairia antes disso, se o caso se arrastasse muito mais tempo.
Mas isso não lhe ocorria agora, precisa rever tudo. Estava perdendo alguma coisa. Não era possível que perderia para esse maníaco. A cada morte ele parecia se sentir culpado, por ainda não ter conseguido pegar quem estava matando essas mulheres.
A segunda morte aconteceu um mês após a primeira. Mas agora estavam acontecendo em menores intervalos. Era sexta-feira, e a ocorrência anterior havia sido na segunda-feira dessa mesma semana.
O Dia foi cheio. Entrevistas do comando da polícia. Do secretário de segurança. Até o governador foi à imprensa falar sobre o que estava sendo chamado de “O caso das costuradas”. O delegado reuniu com a equipe para repassar toda a preocupação e escalou mais alguns investigadores para auxiliar no caso. O Próprio Ribeiro foi procurado por vários repórteres dos telejornais locais para dar detalhes sobre as investigações e, principalmente, para responder a pergunta que todos faziam: “Quando essas mortes vão parar?”.
Não tinha resposta. Não tinha explicações que acalmasse, um pouco que fosse, a opinião pública.
Após o intervalo do almoço, tempo que passou ali mesmo na delegacia, tentando ler informações onde antes não tinha visto nada, o legista o chamou. Passou as mesmas informações que havia passado nas mortes anteriores.
“Ele morreu devido a hemorragia provocada pelos cortes, e teve a vulva costurada ainda viva, mas provavelmente não sentiu muita dor, pois ingeriu um forte anestésico. Deve ter bebido junto com alguma bebida, sem saber”.
“Nada novo? Nenhuma diferença mínima que seja? Um fio de cabelo, um pouco de pele debaixo da unha dela, que possa ser do culpado?”
“Nada, estava totalmente limpa, como todas as outras”.
Ribeiro, que já estava chateado, pareceu desiludir-se.
A Tarde percorreu nesse ritmo. Análises, tentativas, depoimentos. Mas nada que desse uma pequena pista que fosse.
“Como pode isso acontecer. Alguém entra no prédio, mata uma pessoa e ninguém viu nada. Não é possível”.
No final da tarde, Ribeiro foi para casa. Tinha úlceras provocadas pelo nervosismo e por não se alimentar. Não conseguia dormir, apesar de todo cansaço que sentia. Seu corpo quase não respondia mais aos poucos comandos do cérebro.
A ausência da esposa ficava cada vez mais presente em sua vida. Naquela casa então era insuportável. Ela estava presente em tudo ali. Mesmo quando tentava ver televisão, seu pensamento estava nela. Nos bons momentos que passaram. Ele nunca se perdoaria por ela tê-lo abandonado. Ela o amava, disso ela não tinha dúvidas. Mas, mesmo ele, concordava que o motivo que ela teve para ir embora era forte demais.
“Como pude ter sido tão idiota” era o que mais pensava nesses quase nove meses sozinho, ao lembrar que tudo estaria bem se ele não tivesse se deixado envolver por aquela jovem bonita e sedutora que lhe apareceu, em um dia comum de trabalho, e com quem passou a ter um tórrido romance que lhe parecia ser a melhor coisa do mundo. Mas sua esposa, a bela Clara, descobriu logo e, como ele já sabia, pois era o acordo que havia entre eles, não aceitou a traição, e sequer quis tentar refazer. Apenas foi embora.
Ele achou que ficaria bem, mas dias depois já percebia que a jovem aventureira não pretendia nada com ele além dos momentos de sexo que tinham. Quando ele propôs viverem juntos, ela também se afastou. Só aí ele percebeu a gravidade do que havia feito, e reconheceu, meio a contra gosto, a importância que Clara tinha em sua vida. Na verdade ela era a vida dele. Até mesma a alegria que levou aquela jovem a se interessar por ele, era responsabilidade dele.
“Por que certas pessoas não respeitam a felicidade dos casais, e se envolvem com um deles, provocando o fim de casamentos felizes?” era a pergunta que ele passou a se fazer. “Isso é muito errado, e quem age assim devia ser punido”.
Uma hora após chegar em casa ele ligou seu computador, entrou em uma sala de bate-papo procurando alguém com quem pudesse conversar. Logo estava com uma conversa picante com uma jovem que se identificou como Amante com Cara de Anjo. Conversaram quase meia hora, até trocarem telefone. Ela queria se encontrar com ele. Ele se apresentou de verdade, disse que queria muito também, apesar de ser casado. Ela não se importava com isso. Disso, inclusive, que seria uma ótima experiência transar com o famoso detetive.
Uma ligação rápida para acertar detalhes. Ela morava sozinha, e ele pediu para que ela não comentasse com ninguém, afinal era casado. Ela concordou.
Ele tomou um banho rápido, colocou uma roupa discreta, seu perfume favorito. Deixou a arma e o distintivo na mesa do quarto, pegou as algemas, fetiche da “... Cara de Anjo”, um pequeno frasco com líquido incolor, luvas cirúrgicas e uma agulha em meia lua, bastante utilizada, e saiu para seu encontro. Sabia que seria acordado no meio da madrugada novamente...
---------------------------------