29 de abr. de 2017

Quantas formas de solidão podemos sentir?

Certo, terminei de ouvir o lado A da fita 7. Ou, se preferir, a fita 13.
Na verdade terminei dois antes de me sentar pra escrever esse texto. Então já deu tempo de guardar tudo em alguma gaveta interna, aqui dentro.
Pode parecer estranho, inicialmente, que eu esteja aqui começando uma conversa sobre uma série americana de tv, feita por adolescentes, para adolescentes. Mas, pode apostar, não é estranho. Nem falta do que falar.
Necessário, com certeza, contextualizar tudo.
Estou falando da série Thirteen Reasons Why”, produção da Netflix adaptada do livro homônimo, do escritor americano Jay Asher lançado em 2007. A série foi lançada esse ano. Uma década depois do livro. Exatamente no ano em que certa Baleia Azul ganhou notoriedade, por levar vários adolescentes e jovens, no mundo todo, a darem cabo da própria vida.
Alerta de spoiler!
A história trata do suicídio de uma jovem estudante, abordando os fatos que a levaram a se matar. E os fatos que se desenrolam após, como consequências. E a produção foi muito feliz em traduzir a melancolia muito presente na adolescência. Então todos os episódios são tensos. Até tem momentos de leveza, onde se pode esboçar um sorriso. Mas, até aí o riso é amarelo. Sem graça. Triste.
Não vou aqui falar da qualidade das interpretações, da fotografia, trilha sonora, nem figurino. Sobre isso, digo que está bastante condizente com o que se espera de uma produção do gênero.
Quero falar sobre o conteúdo. Ao menos de parte dele.
Como disse, o pano de fundo é o suicídio de uma adolescente. Mas o autor aproveita muito bem esse fato para discutir, e provocar reflexões sobre muitas coisas que podem orbitá-lo.
Comum pensar, imediatamente, que se trata de um caso de depressão. Tema que até é abordado na história. Mas não esse o tema principal.
O que está mais presente, em toda trama são as diversas maneiras que uma pessoa pode sentir solidão. E é sobre isso que pretendo me deter aqui.
Mas, no caso de Hannah Baker, vários fatores, foram responsáveis pela solidão na qual vivia. Fatores muito fortemente presentes na cultura americana, e que temos, cada vez mais, copiado para nosso cotidiano.
Primeiro, tem a cultura infame de, nas escolas, ter os “mais populares”. Esse não é exatamente o problema. O problema é que quem é escolhido como popular se acha no direito de agredir, humilhar, assediar sob vários aspectos, os demais.
Segundo, sempre me causou espécie o corporativismo criminoso presente nas organizações americanas. Das fraternidades acadêmicas às chamadas “sociedades secretas”. Sob a qual os crimes cometidos por um membro não deve, jamais ser denunciado pelos demais. Ao contrário, todos se mobilizam no sentido de ocultar. Mesmo que para isso precisem sacrificar um inocente. E em muitos casos, é isso que acontece.
O mais impressionante nesses dois aspectos é o quanto as famílias, a imprensa e Hollywood se esforçam para manter, e fortalecer.
Praticamente toda série adolescente americana incentiva o comportamento abusivo dos “populares”, e ensina aos demais, sobretudo às meninas, que a única coisa que elas devem pretender é serem aceitas por aquelas, e se esforçarem para se tornarem iguais a elas. Ninguém tem o direito de ter personalidade própria. De pensar ou querer diferente.
Da mesma forma, vê-se em vários filmes e livros o reforço e incentivo ao comportamento corporativo criminoso. Onde, caso alguém resolva denunciar um crime cometido no meio, não será o criminoso, mas o denunciante que será severa e exemplarmente punido.
Vimos isso em “Perfume de mulher”, “Sociedade secreta” e tantos outros. E tudo isso pode ser visto, junto, em “O clube do Imperador”.
Enfim, não faltam títulos que, não apenas mostram esse comportamento, mas incentivam-no.
Sei que não se restringe aos americanos. Cá também temos nossos exemplos de corporativismo criminoso, claramente percebidas em diversos conselhos e ordens profissionais. Mas ainda estamos um pouco longe de estado da arte, em que os americanos chegaram.
Outro fator, é o modo altamente protocolar, e frio, como algumas sociedades constroem suas relações, internas e externas. Não se conversa mais livremente. Não se pode expressar sentimentos. Tudo é formal, frio, burocrático.
E, por fim, o pensamento/comportamento machista que ainda impera em todas as sociedades do planeta. E que leva a nós, homens, a achar que podemos fazer tudo que quisermos com as mulheres. Quando e onde quisermos. E que elas devem aceitar sem resistência. E, depois, devem conviver. Tocar suas vidas, como se nada tivessem acontecido.
Todas essas características estão presentes na escola de Hannah Baker. Os atletas e lideres de torcida se ocupam em humilhar todos os demais. E a bela Hannah não era nem atleta, nem líder. Era apenas uma garota bonita e medianamente inteligente. Era bonita e, vejam só, por isso era hostilizada, humilhada e assediada o tempo todo. (sei que parece contraditório, mas de fato não é). Ela não tinha amigos. Os garotos a desejavam, mas a viam apenas como uma garota com quem transar facilmente. Mesmo que ela não tenha transado, efetivamente com ninguém. Mas o que importa é o que circula pelos corredores, e não os fatos. E ela então estava sempre sozinha, apesar de cercada por centenas de jovens na mesma idade.
Hannah presenciou uma colega ser estuprada. E teve que conviver com isso sozinha, sem conseguir expor pra ninguém. Sem desabafa sobre. Sabe-se lá o que é para uma garota viver com isso, só pra si? Eu nem consigo. Mas tenho imagino que deve provocar uma terrível sensação de solidão. Deveria ter denunciado, eu sei. E alguns dirão. Mas alguém aqui já foi vítima, ou presenciou? Isso mexe muito com o psicológico da mulher de uma forma muito profunda. Às vezes nos chegam notícias de mulheres que foram, ou são, abusadas por anos, e não consegue se livrar, sair de perto. E você acredita mesmo que todos os casos em que mães acobertam abuso de suas filhas, é por serem coniventes? Por não se importarem? Sim, existem esses casos também. Mas às vezes a pressão psicológica é tão assustadoramente grande, que a pessoa não simplesmente consegue reagir.
Hannah viu um acidente acontecer como consequência de um ato irresponsável de outra colega. Ela tentou evitar, foi impedida. Depois queria esclarecer, novamente não pode. Novamente o comportamento alheio provocando solidão.
Por fim Hannah foi, ela mesma estuprada. Não conseguiu reagir. Não conseguiu lutar. Apenas ficou paralisada. Muitos dirão “por que não lutou?” Outros podem dizer ainda “se não fez nada pra impedir, é porque queria”. Esses, claro, serão pensamentos masculinos. Afinal nós não podemos imaginar tudo que acontece no universo de uma mulher ao ser estuprada. Quanto destruída ela fica? Nós não conseguimos imaginar. Mas acredito que seja o máximo de solidão que alguém possa sentir. Uma solidão tão profunda, que te envolve corpo e alma. E o pior, dura por muito tempo. Em muitos casos, por toda a vida. E Hannah, que já era completamente solitária, foi arrastada para a mãe de todas as solidões.
Mas o que ela estava fazendo lá, em uma piscina junto com o estuprador que ela mesma viu abusando da amiga bêbada? Novamente chamo a atenção para o fato de que ela estava buscando se enturmar, fazer parte. E tem aquele corporativismo criminoso do qual já falei, que atua fortemente entre os homens, e por vezes nos convence de que certos monstro, que sabemos reais, não existem. É preciso tentar analisar sob a perspectiva dela.
Então ela pensou em desistir de tudo. Antes porem, acreditou que poderia valer a pena buscar a última ajuda possível. E o que encontrou, ao falar com o aconselhador do colégio? Frieza, impessoalidade, comportamento puramente protocolar. Como, me parece, é o comportamento comum de todos, inclusive de quem deveria ser capaz de acolher. De amparar. Mas não. Nenhuma demonstração de empatia, muito menos alteridade. Apenas conselhos quase mecânicos. Só isso já seria o suficiente para jogar qualquer pessoa, que tivesse ido procurar ajuda, cada vez mais fundo na solidão. Inda mais uma garota na condição em que Hannah se encontrava. Mas piora muito, quando o machismo fala mais forte no aconselhador. Ao perceber que ela estava contando que havia sido estuprada, o gentil senhor, educadamente aconselha a esquecer, e seguir em frente. Ok, ele usa uns argumentos que podem até parecer legais e convincentes. Mas se olhar bem de perto, vai perceber o que de fato acontece.
Pronto. Eu me senti solitário. Eu senti um vazio gigantesco. E eu estava no conforto do meu velho sofá, comendo sei lá o que.
Imagina uma garota naquela situação...
Mas, tudo ainda pode ser pior do que parece. E, enquanto vivia todos esses episódios provocadores de solidão (e diversas outras situações que deixariam esse texto ainda mais gigante), uma outra coisa acontecia. Outra coisa que também tem uma capacidade enorme de nos provocar solidões homéricas. Ela vivia um amor. Sim, ela amava um garoto. E, vejam vocês, era correspondida. Mas eles optaram por não expressarem esse sentimento. Tiveram medo. Mas, como alguém pode ter medo de assumir que ama? Simples, somos condicionados a encarar erroneamente o amor que sentimos.
Ao mesmo tempo em que somos forçados a acreditar que o melhor pra nós e sermos como o rei e a rainha do baile, também somos ensinados que é perigoso demonstrar sentimentos. Que amar pode nos fazer parecer fracos. Então temos medo de assumir.
Somos bons em querer pegar todas na balada. A beijar geral nas micaretas da vida (e nós, machos da espécie, achamos que podemos fazer isso a força, afinal, se elas estão lá, é porque querem mesmo). E nos achamos os melhores do planeta quando fazemos isso.
Mas, assumir que amamos alguém, não. Não temos coragem. E construímos um tipo de solidão que pode estar presentes o tempo todo. Mesmo nas baladas. Sobretudo após. Depois de beijar geral.
Em minha opinião, como já disse, Thirteen Reasons Why não é sobre depressão. Apesar de não ser psiquiatra, psicólogo, pastor dinheirista nem aconselhador protocolar, não acho que Hannah Baker tivesse depressão. Não enxerguei que fosse patológico. Ela não tinha sintomas. Nem teve tempo para somatizar tudo que aconteceu. Ela morreu de solidão.
Não estou aqui dizendo que todos que estavam à sua volta sejam culpuados. Não se trata de culpabilizar ninguém. Mas de reconhecer comportamentos agressivos, abusivos ou apenas indiferentes, com potencial de provocar reações negativas ou extremas.
Sei que muitas pessoas passam por situações parecidas, ou piores, e não se matam. Da mesma forma que alguns convivem com câncer ou HIV, e morrem “de velhice”. Se era mimada. Ou se estivesse querendo apenas chamar a atenção, não muda minhas observações. Pois essas características são causa e consequência do estilo de vida que estamos construindo como sociedade. E precisamos encarar isso.
Então, Hannah Baker morreu de solidão. Assim como boa parte dos jovens, que estão se matando, lavados pela Baleia. Eu acredito.
Tenho visto muitos falarem de doença psicológica e/ou psíquica. Sei que depressão é doença, e deve ser encarada como tal. Com acompanhamento profissional, e quando necessário, com uso de medicação.
Mas nem todo mundo que se mata é necessariamente uma pessoa depressiva.
O empresário que perde tudo na bolsa, se vê totalmente falido, e por isso se joga do alto da cobertura, da qual está prestes a ser despejado, não tem depressão.
O deputado japonês, pego em algum esquema de corrupção, e envergonhado, enfia uma katana no próprio peito, não o faz por depressão.
Da mesma forma muitas pessoas se matam não por depressão. Mas por solidão. Que pode evoluir, claro. Mas nem todo mundo espera.
E, nesses casos, não é necessário medicamentos, ou terapia. Basta atenção. Abraços. Sinais de que se importa. Empatia. Companhia. Alteridade.
Em março de 2009, a exatos sete anos, eu escrevi um texto onde já tratava desse tema. E, na época usei como parte do enredo a música “um homem chamado Alfredo”, da dupla Toquinho e Vinícius de Moraes (que novamente recomendo). Já naquela época eu me assustava com a capacidade que estamos desenvolvendo, de não conseguir nos doar ao próximo. Por não conseguirmos mais ter conversas demoradas, sem que seja para obter algum lucro financeiro. E essa nossa rotina tem nos tornado seres solitários.
Não me surpreende o fato de um jogo, que tem como etapa final, o suicídio, se tornar tão popular, e ter tantos jovens realizando, com êxito, o último desafio.
Afinal, temos muitas pessoas doentes com depressão. Mas estamos quase todos nós vivendo de forma profundamente solitária.
Alguns transformam isso em arte (eu faria poesia de qualidade duvidosa, pseudo melancólica). Outros em violência (vide chacinas em escolas americanas). Tem os que simplesmente convivem e administra. Mas há os que não suportam a solidão, e se matam por isso. E, para esses, qualquer tipo de incentivo é pretexto. Sobretudo que der, ao menos por alguns dias, a falsa sensação de pertencer à algum grupo.
Diferente de Pretty Little Liars, que é uma série feita por adolescente para adolescentes, e de Grey's Anatomy, que é uma série feita por adultos, para adolescentes, Thirteen Reasons Why é uma série feita por adolescentes para adolescentes e adultos. E todos poderão extrair a discussão que desejar, pois aborda vários temas altamente relevantes, e completamente atuais.
Toda minha opinião está baseada unicamente na série de tv. O livro espero ler nos próximos dias.
E, apesar de melancólica, densa e bastante down, ainda é muito mais leve do que Black Mirror. Então muito mais palatável para a maioria das pessoas. Por isso eu recomendo.
Mas, o que recomendo mesmo é que, prefira assistir a qualquer série, ou filme, ou ouvir música. Ou fazer qualquer coisa, com pessoas queridas. E, sempre que possível, o máximo possível, dedique um tempo ao ato de ser amigo. Ouça sem pressa. Abrace sem medo. E, quando amar alguém, compartilhe, demonstre, deixe a pessoa saber. Não guarde esse sentimento só pra você.
Essas coisas podem salvar muitas vidas. Inclusive a sua. Ou a minha...

25 de abr. de 2017

Grito silente

Sutil a linha que separa
meu amor por você,
e minha raiva de mim.
Num dia eu tinha o Céu
no outro, perdi o chão
Não entendi os fatos
Não tive o que contar pro meu coração...
Racionalizar emoções,
emocionar a razão.
De nada adiantou.
Olho pra fora, não vejo nada.
Olho pra mim, fria solidão.
Grito.
Minha voz ecoa no vazio
Ouço apenas meus soluços
Sem estrelas em meu céu
Meu mundo tornou-se
densa,
esmagadora,
sufocante,
assustadora escuridão.