29 de set. de 2012

Refúgio...


Ele a abraçou. Aconchegou a cabeça dela em seu ombro, e apertando com firmeza, carinho e cuidado, sua cintura.
Ela ainda estava triste, mas o medo começou e se dissipar  naquele exato momento. Ela sabia que estava segura.
Algumas lágrimas ainda caíram, mas em pouco tempo ela já estava bem mais calma.
Aquela serenidade que conhecia tão bem a envolvia novamente. E nada nesse mundo lhe fazia tão bem. Não havia, em todo mundo, melhor lugar para se estar, do que aquele abraço. E ela ficou ali, por algum tempo.
Coisas ruins acontecem o tempo todo, a todo mundo e em todos os lugares. Com ela não era diferente. Perder a mãe não estava nos planos. Não ainda. Afinal sua mãe era uma senhora ainda bem jovem. E sempre foi muito saudável. Mas os infartos não escolhem pela aparência. E a escolhida da vez foi a bela mulher de 53 anos.
Foi forte o quanto pode. Cuidou das coisas práticas. Recebeu familiares e amigos. E, apesar da própria dor, procurou confortar seu pai. Mas após o enterro, ao chegar em casa, sentar-se à mesa da cozinha, tomando um copo de água, nesse momento ela se deu conta. Foi só aí que “sua ficha caiu”. E ela chorou desesperadamente.
Ao ouvir seus soluços ele veio. Chegou em silêncio, pegou sua mão, a abraçou, do jeito que sempre fazia. Deixando seu corpo inteiro gritar que ele estava ali, com ela para compartilhar tudo, e para sempre.
Quando se abraçavam assim, nenhuma palavra precisava ser verbalizada. Ambos sentiam a intensidade do amor que tinham um pelo outro, e por si mesmos. Graças ao amor que recebiam um do outro, aprenderam a valorizar o amor que cada um sentia por si mesmo.
Bastava um abraço e, se os problemas não se resolviam, com certeza eles se alimentavam de força para enfrentá-los.
Após 11 anos de casamento, alguns esperariam que isso houvesse mudado. E mudara. Se tornava a cada ano mais intenso, verdadeiro e presente. Se é que fosse possível aumentar as demonstrações de carinho entre eles.
E não importava o que os outros esperavam ou pensavam. Eles sabiam o que sentiam. Dividiam isso de forma tal, que nem pensavam em viver um sem o outro. Era aquele abraço que lhes davam força para enfrentarem problemas, para criarem os filhos, para a rotina de trabalho e, sobretudo, para serem felizes em tempo integral.
Ela, apesar de todo esse tempo, se surpreendia com a capacidade que o abraço do seu marido tinha em lhe dar paz e segurança. E, mesmo nesse momento de dor tão forte, não foi diferente.
Sabia que sentiria a falta da mãe por muito tempo, ou para sempre. Mas, já respirando profundamente, e secando as últimas lágrimas, sabia que sempre teria aquele abraço onde se refugiar toda vez que a dor fosse mais forte.
Ficaram ali, de pé, na cozinha por mais um tempo. Eles nunca sabiam definir se era uma eternidade ou uma fração de segundos, pois passava tão rápido, mas era sempre o suficiente para o efeito terapêutico de que necessitavam.
Ela deu-lhe um beijo no rosto, tomou mais um gole de água e saiu.
Ele sentou-se, olhou para o infinito e chorou em silêncio, não de tristeza. Apesar de sentir a perda da mulher que lhe era como uma segunda mãe. Mas chorou de felicidade e agradecimento.
Ele estava exatamente onde planejou estar desde que era um garotinho desajeitado, com grandes óculos e sem muita coordenação.
Tinha 8 anos, quando, voltando da escola alguns garotos derrubaram suas coisas e ficaram rindo dele. Quando se abaixou para recolher seus livros, percebeu a presença de alguém. Ela não estava zombando dele, como os outros. Colocaram tudo na mochila novamente, e ela deu-lhe a mão para ajudá-lo a levantar-se.
Foi apenas um toque naquela mãozinha tão delicada e macia. Mas foi o suficiente para ele sentir que todo força do mundo estava nela. Nunca mais se afastou.
Não sabia ele, quando criança, que a força que sentiu não estava nela, nem nele. E não existiria hoje, se não estivessem juntos. Pois toda a força do mundo, aquela capaz de resolver todos os problemas, só existia por que eles se completavam.

27 de set. de 2012

N'algum lugar...


Parecia ser verdade
Ninguém diria o contrário
Tinha sons,
Volume,
Odores,
Bons abraços e aconchego.
Parece ainda ser verdade,
Ninguém diz o contrário
Mesmo que tudo esteja, somente,
No universo da saudade...

24 de set. de 2012

Desordem


Vejo coisas fora do lugar
Sentimentos destoando
Um canto vazio em meu coração
Olhares desencontrados
Um verso solto, sem rima
Um acorde sem melodia
Minha cabeça nas nuvens
Olhos nas estrelas
E, sem você aqui,
Meus pés sem chão...

palavras e silêncio


Palavras não ditas criam enormes vazios
Palavras certas ligam pessoas,
Alimentam sentimentos
Constroem solidez...
Se palavras são elos
Então façamos ponte
Pois, mais que criar vazios,
Ao deixamos muitas palavras não ditas
Os olhares ficam sem se cruzar
Os abraços tornam-se não dados
Os beijos se perdem na secura dos lábios
E, por fim, o brilho dos olhos termina por se apagar...

11 de set. de 2012

Partido-alto



Não houve silêncio.
As pessoas continuaram suas conversas normalmente, provocando ruidoso burburinho. A banda não cessou seu show. Continuou entoando seu partido-alto, meio desafinado, e um pouco atravessado.
A pequena multidão envolvida no clima que lembrava os momentos que antecediam o inicio das orgias romanas. Imersos na contagiante música, e inebriados pelo alto teor de álcool que regava a todos os presentes.
Cervejas e caipirinhas eram trazidas o tempo todo, pelos garçons.
Entre as mesas de latão, que não raro fazia as vezes de tambores e tamborins, homens e mulheres se espremiam, se roçavam e se seduziam, em uma dança altamente sensual para quem estava dentro mas, certamente, estranha para quem observasse de fora.
O álcool, o pouco espaço para tantas pessoas, as roupas provocantes, em alguns casos a quase total ausência delas, o suor, a música, a pouca luz. Enfim, tudo favorecia a pegação geral que estava instalada. Vez ou outra, algum valentão não gostava da forma como o cara ao lado olhava pra sua companheira, ou a forma como se esfregava nela, e ensaiava uma briga, que era facilmente contida pelos mesmos motivos.  
Em um canto, uma das poucas mesas onde se podia ver alguém sentado, duas pessoas pareciam não estar ali. Com pele bronzeada, cabelos artificialmente loiros, na altura do meio das costas, mini-blusa preta, que realçava seus belos seios, e shorts jeans, curtíssimos, que deixava à mostra suas coxas deliciosamente torneadas e delineava, escondendo muito pouco, de o pouco que cobria. Parcialmente coberta, uma tatuagem pouco acima da virilha, mostrava uma bela borboleta azul sobre duas rosas brancas. Nos pés sapatos de salto alto e fino, couro marrom, com tiras enlaçadas nas panturrilhas, até quase os joelhos. Verdadeiramente linda, e altamente desejável.
Ela tentava sorrir e, nesse esforço, exibia seus dentes brancos, com o metálico de um aparelho ortodôntico. Tentava, mas claramente não conseguia.
Ele, negro forte, olhos expressivos, cabelos raspados, conforme exige a moda dos pagodeiros e jogadores de futebol. Pele bem cuidada, corpo malhado, sorriso igualmente belo. Ela falava com ele com carinho e paciência. Ele quase se exaltava, mas apenas a olhava com mais devoção, quase pedinte. Pela expressão o volume de suas vozes era baixo demais para ser ouvido pelo próprio emissor, devido ao volume da música e ao alarido da multidão. Mas eles pareciam estar se entendendo perfeitamente. Na verdade não se pode afirmar que eles estavam ali, naquele local. Se seus corpos não fossem vistos, e se sua mesa não fosse empurrada por quem tentava rebolar ao lado, ninguém os notariam, nem eles seriam trazidos de volta para lá, às vezes.
A sensação era de que se um aquele pequeno espaço composto pelos dois, uma mesa onde havia uma garrafa de cerveja, dois copos, um saleiro e alguns guardanapos, estivesse envolto em algum tipo de isolamento. Que nada externo pudesse chegar até eles. Que não ouviam, nem percebiam sons, toques, aromas nem a temperatura. O clima de sensualidade, então, era totalmente ignorado por eles.
Em algum momento uma lágrima.
Ele chorou, não entendia. Queria dizer que não aceitava, mas não era assim. Sabia que não tinha como forçar. Mas se permitia não entender. Afinal, se ele fez tudo que podia para fazê-la feliz...
Ela decidida, repetiu algumas vezes, de forma firme, enfática e definitiva.
Era o fim do namoro que durara apenas um ano e quatro meses.
Ele esperava que durasse para sempre.
Ela decidiu que já era tempo demais.
Não que estivesse infeliz. Não era isso. Apenas não estava feliz. Gostava dele, mas não o suficiente para prosseguir. Depois de breve análise decidiu que era melhor parar antes que a dor se tornasse maior. E não queria demorar muito mais para experimentar outros abraços, outros beijos, sabores de outras salivas, gametas, suores...
Ele se levantou, atravessou todo o ambiente, sem ouvir a música, sem ver a morena seminua que quase se jogou encima dele. E foi embora, sem sair da cápsula que não mais o protegia, apenas o sufocava.
Ela levantou-se, ajeitou o short, mexeu nos cabelos, tomou um gole de cerveja, e foi sambar atenta, sabendo que iria escolher alguém para ser seu, ao menos por aquela noite...

7 de set. de 2012

...


Tanto feito
Feito o fato
Afeta a vida
E o feto não reluta
Finge nada ser
Fica pelo caminho
Faz-se em pedaços
E foi-se o sonho
Fica a ferida
Falha a vida...

E feito o fato
Fica o vazio
De quem não pode se mostrar
E uma dúvida:
- Até onde vai liberdade de cada um?
- Ah é, quase me esqueço, ele não era um ser...

Usucapião


Nunca deixarei que perca seu chão
Pois você vive bem aqui,
Em meu coração...

3 de set. de 2012

Da série "mulher" - Solventes... -



Existem dois grandes solventes universais. A água e o tempo. Ouvi alguém dizer isso quando ainda era uma menina, e sempre acreditei. Com o passar dos anos, tive oportunidades de verificar, em minha própria vida, ou em vidas próximas à mim, a ação eficiente, e definitiva, desses dois elementos.
Concordo que nem sempre suas ações são tão benéficas assim. Como quando assisti meu pai se tornando cada vez mais isolado e frio, depois de ser abandonado por minha mãe. Aliás, não foi apenas ele que sofreu com esse abandono. Eu também estava lá...
A última vez que vi meu pai com uma companheira eu tinha apenas nove anos. Já faziam então, quatro anos que minha mãe saíra de casa. Ele me pareceu feliz por alguns minutos. Era uma mulher bonita, gentil e me tratou muito bem. Ficou uma noite em nossa casa. No dia seguinte, quando acordei, ela já tinha ido. Meu pai lia jornal, calado. Me sentei próximo, sem dizer nada. Conhecia aquele silêncio. Não demorou muito para ele fechar o jornal, olhar fixo para o horizonte à sua frente, por certo tentando enxergar algum lugar feliz em seu passado, ou descobrir por onde andaria sua amada, e chorar incontidamente.
Foi a última vez que eu o vi com uma mulher. E uma das últimas vezes que o vi chorando. Aos poucos o tempo, esse solvente universal, foi limpando os sentimentos que haviam grudados naquele homem.
Vi outras ações do tempo, e da água, limpando superfícies e manchas profundas. E, não existe nada que seja inalcançável por esses dois solventes. Seja o que for a mancha, basta deixar imerso em água, ou na correnteza do tempo, que fatalmente será removida. Às vezes a limpeza acontece de forma rápida, outras vezes leva-se uma quantidade maior de tempo. Pode até resistir a um igarapé de dias ou um rio de meses. Mas nada resiste aos oceanos de décadas.
Você pode usar alvejante, se tem urgência. Você pode rasgar cartas, queimar fotos, tentar apagar da memória. Mas se a ação é muito rápida, não oferecerá resultado de forma definitiva. Apenas a água e o tempo podem limpar, de fato, todas as sujeiras que existe em nós. Por vezes cria limo, ou lodo, em nós, como forma de nos proteger, o que pode nos impedir de ser tocados novamente, pelo que nos prejudicava, e também, por coisas que nos fazem bem.
Assim como acontece com o tecido, esquecido por muito tempo em alvejantes como o cloro, também a vida poderá ser fragilizada e, mesmo, corroída pela ação da água e do tempo. Há que se tomar cuidado ao se deixar quarar. Não podemos ficar inertes nem na água, nem no tempo.
Sei disso. Aprendi coisas sobre solventes, tempo e chuva. Entendi que mais eficiente que um solvente universal, é a ação dos dois juntos.
Tive alguns amores. Alguns amantes. Alguns namorados. Algumas dores, várias decepções. Mas nenhum sofrimento durou muito. Sempre me lavava pelo tempo necessário, em água corrente.
Mas eis que, assim como meu pai, me apaixonei, verdadeira e profundamente por alguém. Eis que, como ele, me entreguei a esse homem que me apresentava possibilidades infinitas de felicidades. Eis que, um belo dia ele simplesmente não apareceu.
Achei que meu mundo se acabaria. Por um tempo senti meu chão se abrindo. Mas não sou como meu pai. Aprendi com sua dor. Não vou me isolar. Não trancarei meu coração. Não me tornarei frio e infeliz como ele. Conheço os solventes universais.
Vou limpar a dor que agora sinto, e encontrar outras pessoas. Tenho experimentado vários outros homens. Algumas mulheres e outras possibilidades. Alegro-me às vezes. Outras noites, nem tanto. Mas não estou sozinha.
Nas manhãs seguintes, não vou chorar sobre um jornal. Acho mais eficiente ficar aqui, mergulhada nessa banheira, me lavando nessa água morna, por todo tempo que puder. A ação da água e do tempo, misturados às minhas lágrimas, água que faço sair de mim, limpa um pouco meu corpo e minha alma. E me dão forças para acreditar que não acabarei como meu pai, no fundo de um lago, para sempre...

Segunda-feira



É, essa segunda-feira teve mesmo cara de segunda-feira.
Às vezes acontece isso, não é?
Mas não tem muito a ver com o fato de ser segunda-feira. Eu acho. Sem muita certeza, é verdade, mas acho.
Uma ressaca leve, lembranças da alegria barata compartilhada com amigos caros. A sensação de que devia ter dançado mais uma música com aquela moça bonita. Quem sabe ter dito mais uma ou duas coisas interessantes. A bronca pelos strikes não conseguidos. Alguns pinos insistem em não cair nunca.
E tem o sabor não sentido do beijo não dado. Também o gosto agridoce do que foi roubado pela mulher que não devia.
Certas segundas-feiras são assim, cheias de lembranças do que fizemos no final de semana que o precedeu. Outras são repletas de nada, quando o final de semana é pleno de ócio, como gostam de ser as tardes de domingo.
Um tango a mais, um forró a menos. O rebolado provocante das garotas de rostos angelicais e jeito safado, perigosamente lindas, seduzindo a todos, ao som “funk proibidão”.
A liberdade etílica pode até não ser a mais saudável, mas é tão verdadeira e intensa que merece ser vivida. Ressaca, se cura depois. Assim como se cura ferida na perna, e mais fácil do que se cura as dores por não ter dito o que precisava, e ter deixado que ela se fosse, sem ter feito nada para impedir.
Dores sempre existirão. Ninguém está livre delas. Mas é melhor os calos e desconforto da caminhada, do que a atrofia da inércia.
Nem toda segunda-feira se apresenta como novo horizonte a ser desbravado, como novas possibilidades a serem experimentadas. Às vezes é apenas a continuidade do que já era. E isso não é ruim. Apenas a realidade da rotina que governa tudo que vemos. Mas, mesmo na mais sólida rotina, ainda podemos fazer pequenas escolhas, e com isso alterar grandemente a rotina atual. Criando assim, novas rotinas, que poderão ser rompidas a cada novo instantes. Seja no meio da velha surpresa ou no fim de uma nova mesmice.
O antigo rosto ao seu lado, na manhã de segunda-feira, sempre será novo. Mesmo sendo velho conhecido. Mas, não se assuste, você também não será mais o mesmo de antes.
Se não se lembra, não se torture. Pode ser melhor assim. De qualquer forma, alguém vai contar, para você e para os demais. Sempre do ponto de vista que não é o seu. O que não significa que não seja verdade. Apenas pode não ser a sua.
É, adoro segundas-feiras. Seja ela como está sendo hoje, cheia de flashes de nítidas lembranças, ou como as outras, que são diferentemente iguais. Sempre são...
Em algum ponto parte de mim viaja nos lábios, seios, coxas e pensamentos de algumas adoráveis pessoas. Voltaremos a nos ver? Quem sabe. Não se pode afirmar nada, até que as incertezas se confirmem.
Se vai haver novos tangos, outros boleros, balançar de cabeça, embalados por acordes estridentes de alguns roqueiros cabeludos, um blues falsamente tranquilo, ou novos funks e qualquer coisa “universitária”, não faço idéia. Mas sei que novamente será segunda-feira outra vez, em alguns dias. E terei vivido tudo novamente. Mesmo que tudo seja o angustiante marasmo das tardes de domingo.
Não espero não errar, claro. Nem ficar livre de dores. Mas espero que as cicatrizes futuras venham acompanhadas de boas lembranças e ensinamentos. E que não cometa mais os velhos erros. Afinal, ainda temos tanto, tanto jeito novo pra errar...
Boa semana