Finalmente,
vejam só, como era mesmo de ser inevitável, acabei por ver o filme Barbie. Esse
mesmo, de 2023. Esse que tem causado tanto burburinho nas redes sociais. Tudo
bem, a essa altura nem tá mais sendo assim, tão comentado. Mesmo assim, ainda
quero dar meu pitaco, já que estou nesse planeta interligado.
Fazer
o que, né? Estando com covid pela segunda vez. Recomendado a permanecer em
casa, isolado em semana de feriadão (é o que dizem, o pobre do proletário (desculpa
a redundância), não tem mesmo sorte). Mas, mesmo que não houvesse recomendação
médica, eu não teria me animado a fazer outra coisa, além de permanecer
deitado, ou esparramado em meu sofá vermelho brasil. Já que, apesar de todas as
doses de vacinas circulando em minhas veias, incluindo a bivalente, o vírus
conseguiu roubar, completamente, minha energia e minhas vontades... sou obrigado
e imaginar o que me teria acontecido dessa vez, não fossem as vacinas que
tomei.
Enfim,
leituras desobrigadas. Séries e filmes que não me exigiam muito esforço. Mas
acabei adiantando muita coisa já iniciada e consegui finalizar umas já
começadas e outras iniciadas nesses dias.
E,
eis que me chega às mãos Barbie. Confesso que estava mesmo querendo ver, desde
o lançamento, mas não tinha tido oportunidade.
Claro,
também, que li e ouvi muita coisa sobre o filme. Muita coisa mesmo. Muitas com as
quais, posso dizer agora, eu concordo e muita coisa com as quais não concordo.
Sim,
é um filme com viés feminista. Não, isso não é ruim.
Sim,
fala sobre exploração e acumulação. Não, não é uma obra comunista.
Sim,
brinca um pouco com o masculino e com o papel dos homens. Não, não “objetifica”
os homens.
Ta
bom, vou discorrer um pouco melhor sobre isso. Mas, apesar de ser
incorrigivelmente prolixo, prometo ser breve.
Veja,
o filme aborda sim, a sociedade com a visão feminista. Mas é preciso lembrar
que o feminismo não é uma luta pela supressão dos homens. Mas uma luta por
igualdade e, principalmente, por respeito. Então, parem de virar a cara para
uma luta que é responsável por tantas conquistas históricas para a sociedade
como um todo, e não apenas para as mulheres.
Para
os idiotas que falaram que é um filme “anti homem”, que “objetifica” os homens,
só tenho uma pergunta: Vocês são cegos, para a realidade à sua volta? Ou, em
que mundo vocês vivem? A “brincadeira” que o filme Barbie faz com os homens nem
de longe chega perto do que nós, homens reais, fazemos com mulheres reais,
nesse nosso cruel mundo real. Para quem se sentiu ofendido, recomendo a comédia
“Eu Não Sou um Homem
Fácil”
e ouça “ponto de interrogação”, do genial Gonzaguinha (isso não vai mudar nada, mas pode mostrar outras manifestações interessantes).
Sim,
o filme critica o sistema e o papel que nós, homens, temos desenvolvido ao
longo da história. Mas ele não se propõe a desconstruir nada. Apesar de flertar
com a ideia da desconstrução, ele não propõe e não entra nessa vereda. Mesmo
assim, achei, muito válida toda discussão que gerou.
No
entanto, não foi isso que me pegou. Nem de longe.
É
um bom filme. Com bom roteiro, boas atuações e uma fotografia muito agradável.
A trilha, pra mim, contribuiu muito. Aliás, as partes “musicais” do filme, com
música e coreografia, são muito bem feitas e extraordinariamente divertidas.
Mas também não foi isso.
Ora,
senhoras e senhores, onde foi que perdemos nossa verdadeira sensibilidade?
Muita
coisa me chegou, muito antes do filme me chegar às mãos, mas não vi ninguém
abordando o principal tema tratado em Barbie. Ninguém citou. Nenhum blogueiro,
nenhuma influenciadora, nenhum site especializado. Ninguém, que eu tenha visto.
Então
eu pergunto novamente: onde foi que perdemos nossa sensibilidade?
Antes
de descambar para as (quase) discussões políticas, e as disputas entre Barbie e
Ken, o que foi que motivou toda história? O que causou o irresistível incômodo
na “perfeita” Barbie estereotipada?
Você
viu o filme? Você se lembra? Ou deixou passar isso, como se fosse uma coisa sem
importância?
Tenho
repetido, faz décadas, que “prefiro quem sabe reconhecer a diferença entre jiboias
e chapéus”. E esse filme trouxe de volta a importância de manter viva, e ativa,
a luta pela sensibilidade.
Não
se trata só da luta feminista. Não se trata, apenas, de luta para descontruir o
comportamento masculino, nem de vencer o falido capitalismo e construir um novo
modelo de mundo. Se trata de manter a sensibilidade infantil. Se trata de
cuidarmos da saúde de nossas crianças. Sejam as que estão, cronologicamente, na
infância. Seja essas, que nunca nos abandona, não importa a idade que temos.
A
pandemia agravou muito as coisas. Mas já estávamos doentes antes dela. E hoje,
não estamos dando muita atenção, na verdade, atenção quase nenhuma, para como
nossas crianças se comportam. Para os sentimentos eu elas manifestam. Para as
mensagens que elas nos passam.
O
cinema, que apesar de ser uma engrenagem do sistema, por muitas vezes age como farol, nos indicando rumos. Pois bem, essa
mensagem não é nova. Você pode encontra-la em filmes como “O labirinto do Fauno”,
“Sete minutos depois da meia noite” e tantos outros. E tantos de nós continua enxergando chapéus,
onde deveriam ver jiboias.
Sim,
o filme aborda coisa demais. Mas antes de tudo, uma pequena sequência começa
tudo. O momento em que o brinquedo, feliz em seu papel, começa a sentir a
anergia negativa emanada pela criança que o possui. Não apenas agressão ao
brinquedo. Mas pensamentos autodestrutivos, ideações destrutivas.
Fazemos
isso. As crianças fazem isso. Eu e você fazemos isso. Transferimos para nossos
brinquedos, aquilo que que sentimos, que gostaríamos que nos acontecesse, que
gostaríamos de fazer a nós mesmos ou ao outros.
Indefesas,
as crianças fantasiam. Sonham com salvadores mágicos, que nunca chegam. E
seguem sendo submetidas a todo sorte de mazela que as acontece (e se você não
convive com crianças, pode não fazer ideia do que estou falando, mas garanto
que são histórias dignas de Annabelle e não de Barbie).
Mas,
mesmo nós, adultos que perdemos nossas crianças e nossas sensibilidade, não
conseguimos enfrentar os fantasmas que nos assustam. Não aceitamos certas
verdades. Não nos aceitamos. E transferimos para nossos brinquedos, sejam eles objetos
caríssimos, animais ou outros seres humanos, nossas frustrações e nossos
temores.
Não
resolvemos. Do contrário, aprofundamos nossas crises. Drogas são possibilidades
de fugas. Terapias ajudam. Ter amigos e o mais importante socorro. Mas, se não
somos capazes de ouvir nossas crianças, e aceitar quem somos, nada adiantará de
nada.
Nunca
pensei que diria isso, mas obrigado Mattel pela, possivelmente inesperada, contribuição.
E
você, quer defender seu ponto de vista, sua posição? Antes de necessário ouvir
as crianças, todas elas. Inclusive a que você tenta matar, dentro de você.
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