Na terça-feira escrevi esse texto, como sempre faço quando acho que vale a pena, e agora achei muito apropriado enviar pra vocês.
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PS. Hoje, (quinta-feira, 31-01-2008) o pesado silencio do "seu" Durvas (meu pai), e o teor de suas poucas perguntas, tentando entender tudo que se passa, tem um forte aspecto de profunda tristeza. No entanto contemplando, no conexto de sua história é, emocionalmente significativo e grandemente belo.
....Que nenhuma lição seja perdida...Amém...
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Ontem, segunda-feira (28/01), fui ao colégio mais próximo de casa, pra providenciar a matricula da Juliana (minha mais nova garota! Calma, ela é minha enteada). Não consegui fazer, efetivamente, sua matricula por falta de alguns documentos que ainda estão no Rio. Terei que voltar depois.
Mas não é o fato de ter conseguido, ou não, garantir uma matricula que quero comentar aqui. Quero falar de algumas conseqüências que essa "ida ao colégio" provocou em mim:
Primeiro foi uma experiência muito, digamos, interessante. Eu indo à escola pra resolver coisas de um "filho". Claro que eu sabia que isso iria acontecer um dia. Mas é experiência é muito melhor que a expectativa. Me senti muito "importante" por fazer isso. Percebi um, pouco mais, que agora sou responsável por mais alguém, além de mim. E isso é bom, sabia? Às vezes da um medo enorme, mas é muito bom.
Segundo, me lembrei do dia que fui, com a dona Felisbina, minha mãe, à Escola Municipal de 1º grau Otalécio Alves Irineu, lá na "baixadinha" (pertinho da casa onde morava), em Mineiros, pra fazer minha primeira matrícula. Eu iria fazer o "prezinho" (e acho que entrei no pré-fraco) (alguém lembra dessas divisões que as crianças faziam no passado, pra se sentirem mais importantes, e pra "zoar" com alguns coleguinhas?). Era minha primeira vez, e era também a primeira vez daquele "grupo", que eu iniciaria suas atividades após a construção, que eu acompanhei de perto (o que tornava aquela escola "minha escola", com toda força que essa afirmação possessiva possa ter) (sobre isso quero falar em outro momento). Eu voltei pra casa radiante, pois tinha comprado passagem pra um mundo novo, desconhecido mas, que eu sabia/acreditava, seria lindo. E foi mesmo.
Em terceiro, e sobre o que mais quero falar aqui, foi o que me aconteceu enquanto voltava pra casa. Durante a caminhada eu comecei a imaginar como seria legal acompanhar as atividades escolares da "Jujuba". Ela vai cursar agora (2008) a segunda série (ou terceiro ano, ou coisa parecida. Essas divisões ainda me deixam confuso). E certamente passaremos vários momentos fazendo "tarefinhas de casa", inventando artes, ensaiando peças, estudando verbos, tabuadas, e todas essas coisas que eu fazia no meu tempo. E também as temidas reuniões de pais com os professores. Esses pensamentos me levaram a outros. Fui levado a me perguntar como eu poderei, efetivamente, contribuir para uma boa formação dessa criança (e de outro filho que eu e Ale pretendemos ter). Aí decidir que preciso provocar, e incentivar, o contato dela com algumas coisas que são boas, e que fazem muita diferença na formação de todas as pessoas. Entre essas "coisas" estão: boa música, bons filmes e, claro, boa leitura. Sendo assim eu resolvi que seria decretada, em casa, a seguinte lei: "Haverá semanalmente, nessa casa, um momento para ouvir músicas de boa qualidade, outro para leitura e outro pra vermos bons filmes. Entendendo como música de boa qualidade vários estilos indo das Clássicas Eruditas à boa música regional de Goiás, passando pelos clássicos da MPB, a tropicália, a bossa-nova, Oswaldo Montenegro, Belchior, Chicos (Buarque e César). E várias outras que quase não se ouve no rádio. O momento de leitura deverá ser compartilhado por todos da família, e deve ser abrangente, incluindo bons romances, clássicos universais, poesias de todos os países (incluindo as feitas em Goiás) e obras contemporâneas, além de jornais e revistas diversas (incluindo prioritariamente as obras do Maurício de Sousa). Da mesma forma, as seções de cinema não se pretenderá, apenas, às produções Hollywoodianas, mas valorizar as criações de outros países, com ênfase para o cinema iraniano, francês, germânico espanhol, italiano e, claro, o brasileiro".
O decreto foi todo elaborado, mentalmente, enquanto caminhava da escola pra casa. E decisão tomada, agora era hora de criar condições para fazer cumprir. Chegando em casa, então, eu resolvi aprontar o ambiente. Comecei a separar alguns CDs que não ouço há algum tempo. Deixei à mostra a pequena coletânea de Tchaikovsky, meu bom CD de Ravel (onde posso ouvir o seu belo "Bolero") e me certifiquei que meus outros CDs, que se enquadra no escopo definido, estivessem nos "cases" (que eu prefiro chamar de porta CDs). Feito isso, fui tentar encontrar alguma obra literária, em meu minúsculo acervo, que pudesse ser oferecido à Jujuba. Sem muito esforço percebi que o melhor e mais indicado, talvez o único que sirva, é um volume de uma ótima coleção elaborada especialmente para crianças, e adultos que não têm, ainda, o hábito da leitura. É um livro pequeno, fino e composto de várias pequenas crônicas de quatro grandes. É bom porque os textos são deliciosamente simples, fáceis, completos, de excelente qualidade e rápidos, se lê cada texto em menos de 2 minutos (não dando tempo pra que o leitor, não habituado, se canse e desista). E depois os autores são Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga e Drummond. É ou não um bom começo? Eu tive certeza que sim.
À noite fui conversar com a "Juju", e com sua mãe, pra falar de minha decisão, e apresentar o livro escolhido. A conversa foi boa. Ambas concordaram, ela até parou de ver o que passava na tv pra ler o primeiro texto do livro. Ela, a "Ju", me pediu pra ler com ela, concordei. Achei que poderia ajudar no entendimento e interpretação. Foi legal. No entanto, so depois dessa primeira experiência foi que me aconteceu o mais importante. Eu me lembrei (ou será, me deu conta) de por que eu gosto tanto de ler. É que, lá no "Grupo Otalécio", ainda em meus primeiros passos com as letras e números, eu conheci sua pequena biblioteca. Era pequena mesmo, mesmo assim eles me permitiam levar alguns livros pra casa (afinal era minha escola). Isso foi importante, mas o que realmente me fez gostar de ler foi outro coisa.
Minha mãe era (ainda é) quase analfabeta. Ela não escreve nada, além do próprio nome, e lê com dificuldade. Não teve oportunidades na infância vivida na roça. So depois, de muito tempo (e também na "minha escola") foi que se aventurou num tal "Mobral" (alguém se lembra?). Mas mesmo sendo assim, minha mãe, descobriu comigo a "minha" biblioteca. É que certa vez, quando fui procurar um dicionário para descobrir o que uma palavra queria dizer, eu encontrei uns livrinhos com pequenas histórias. Eram livros bastante coloridos, com muitas figuras e poucas letras, mas com estorinhas completas. Me interessei por um e a "moça" me deixou levar pra ler em casa. Levei, li e mostrei pra minha mãe. Ela percebeu que eu gostei, e leu também. Daí pra frente nos tornamos, quem sabe, os maiores usuários daquela pequena biblioteca. Isso mesmo, nos tornamos. É que minha sempre me pedia pra levar uns livros pra ela ler, pois ela tinha gostado muito das estórias. Eram aventuras de gigantes, de garotos com objetos mágicos, de insetos inteligentes. Coisas assim. E eu sempre levava, pra ela, e pra mim. Líamos juntos, comentávamos sobre a aventura. As enormes figuras coloridas me ajudavam o montar a cena, o que tornava a aventura muito mais interessante, me fazendo, não so entender leitura, mas gostar de ler. E foi assim por um bom tempo. Minha mãe gostando de ler os livros que eu lia.
Eu não fazia idéia de onde isso me levaria, mas o fato é que em sua simplicidade, minha mãe foi quem mais me incentivou a gostar de ler. E ela não fez isso com um decreto, como eu estou fazendo com a Juliana. Ela nunca me forçou a ler nada. Ela gostava. E ao me pedir pra levar livrinhos pra ela, me fazia ter contato com eles. Não sei se ela tinha a noção do trabalho que fazia, nem se tinha, deliberadamente, a intenção, mas ela me mostrou o prazer da boa leitura. A dona "Felisba" não me ensinou a ler, ela própria não sabe. O que ela me ensinou foi muito mais importante. Ela me ensinou o prazer. E fez isso demonstrando gostar. Hoje não sei se ela realmente gostava, ou se era a forma dela ser pedagógica. Mas sei que funcionou.
Com o tempo as grandes figuras foram se tornando desnecessárias. Minha capacidade de abstração logo amadureceu, graças ao grande auxílio das enormes figuras coloridas. E eu mudei de fase. Nas terceira e quarta séries eu já estava lendo Marco Rey. Depois a Coleção Vaga-lume. Nesse mesmo período o interesse de mamãe pelas estorinhas, mágicas e coloridas, esfriou um pouco, e ela passou a dedicar quase 100% de seu tempo de leitura a trechos da Bíblia. Com o tempo, e o avanço nas séries escolares, fui conhecendo coisas novas, como o escritor bendito/maldito Neimar de Barros, a cruel e dramática Adelaide Carraro, logo veio o contato com os primeiros clássicos, como José de Alencar. Com coisas estranhas como Erich Von Daniken, com suas naves e deuses ETs. E vi crescer o gosto pela poesia (que dona Felisbina chamava, e chama, apenas de verso). Mas agora eu já não tinha mais a companhia de mamãe nas leituras. O que lia era complicado demais pra ela. Mesmo assim sempre dava uma palavrinha de incentivo, discretamente simples. E, acho que ela sabia que a base que fincara era bastante sólida. Ainda passei por Paulo Coelho, me encantei com Umberto Eco, visitei a Grécia. Conheci vários deuses, chorei com tantas personagens, ri com várias outras. Aprendi, descobri, me achei. Cantei com os "Acalantos" e com certa "Moça que ria Muito". Enfim, estou crescendo. Hoje tem o Dan Brown, a preferência por Richard Bach, e o forte gosto pelas letras de Goiás.
E se hoje gosto muito de conversar com o escritor/amigo Martiniano, com Martinha e Toninho Gomes. Se aprecio uma boa e longa conversa, como diz a Alê, "do Egito" com Marcelão e Jô, e se sinto grande prazer com as filosofias etílicas (preferencialmente reverenciando um grande caju mergulhado numa cachaça de boa qualidade), com os amigos Ary, Demervas, Renas, Marelo e outros (precisamos ter mais desses momentos). Se gosto de, às vezes, registrar em textos, o que sinto e penso e, se me aventuro a acreditar que a forma que serei conhecido será como escritor. Isso se deve a tudo que já li, vida a fora. Mas se deve, principalmente, ao fato de mamãe ter sido como foi, e agido, comigo, como agiu. Não ao fato de ela ser uma "quase" analfabeta, mas à sua enorme simplicidade. Simplicidade construída com uma vida verdadeiramente simples. E por, nessa simplicidade, ela ter se submetido a, no tempo certo, gostar daquilo que eu precisava gostar. Pois, de alguma forma, e usando as prerrogativas que so as mães tem (e a dona "Felisba" é a maior de todas), saber o que eu precisava gostar pra ter uma vida boa.
Ainda acho que é um luxo iniciar no mundo da leitura com Drummond e com Sabino, mas lembra como comecei ma faz pensar que isso pode ser um luxo ineficaz. Se quero que a Juliana goste de ler, vou precisar rever meus atuais conceitos. Na verdade estou pensando que preciso fazer uma "reciclagem". Quem sabe um estágio com dona Felisbina, relendo juntos as velhas estórias coloridas, pra reaprender a simplicidade que a vida moderna se encarrega de nos tirar mas, que todos os pais (e todos educadores) deveriam saber manter. Na verdade acho que todo mundo deveria. E acho que se conseguíssemos o mundo seria muito mais bonito, mágico e colorido.
Goiânia 29-01-2008
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....Que nenhuma lição seja perdida...Amém...
“Naza”
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