Com sabor de café
Reduziu a
velocidade, com cuidado foi encostando próximo à margem do rio. O Sol da tarde,
meio escondido na alta vegetação ciliar fazia desenhos na água, e algumas
sombras na areia, o que amenizava um pouco o intenso calor, constante na
região.
Há muito que
ele não passava por ali. A vida o havia levado para longe. Por outros caminhos.
Mas Pedro sempre se recordava dos vários momentos vividos naquela cidadezinha.
E lembrava com saudades.
Apesar de
não estar vivendo tão longe, não encontrava oportunidades para que viesse matar
as saudades. Nem oportunidades nem tempo. Coisas dessa vida louca, na qual a
maioria de nós está mergulhada hoje em dia, e que nos impede de viver
verdadeiramente.
Tinha também
um certo medo. Acreditava que ao retornar àquele lugar muitas coisas do passado
seriam afloradas, não apenas como lembranças, mas como sensações presentes. E
ele não sabia bem como reagiria a tudo isso.
Relembrando
vários momentos vividos ali, ele tirou os sapatos, dobrou as calças até os
joelhos, e saiu do carro para caminhar um pouco pela areia escura.
Queria
respirar aquele ar novamente, e molhar os pés naquelas águas outra vez.
Caminhou lentamente, sempre ao alcance das pequenas ondas. Em alguns trechos
molhou até quase os joelhos. Estava absorto, sem pressa. Olhava a paisagem
toda, mas via mais o que vinha na lembrança de momentos pretéritos.
A brisa
morna acariciava seu rosto, e ele quase sentia o doce hálito experimentado em
outros tempos. Mais de uma vez pegou-se olhando para o lado, na esperança de
encontrar aqueles olhos tímidos, e meio assustados, mas, lindos, fortes e
profundos. O velho perfume era sentido como se ela estivesse ali.
Durante sua
caminhada Pedro foi lembrando das informações que recebeu de Tânia em todos os
momentos que passaram juntos. Sua companhia era sempre uma gostosa aula sobre o
lugar, sua história e geografia. Tânia era tão apaixonada por aquela região que
até parecia ter nascido lá.
Lembrou-se
que, enquanto caminhavam, algumas vezes Tânia tinha os cabelos agitados pelo
vento, o que a forçava um gesto constante de retirada dos fios que insistiam em
cobrir seu rosto. Fazia isso sempre com a mão esquerda, de uma forma
delicadamente bela, ao mesmo tempo em que interrompia um pouco o que estava
falando, e sorria de forma marota. Era lindo de se ver. E ao lembrar Pedro
sorriu como sempre fazia.
Ao esboçar
aquele breve sorriso, Pedro sentiu um nó se formar em sua garganta. Ele engoliu
seco e sentiu uma lágrima quente escorrer do seu olho esquerdo e morrer no
canto de sua boca. Era salgada, mas lhe pareceu ser a coisa mais amarga que já
experimentara.
Caminhou um
pouco mais, aproveitou um remanso, se agachou, molhando parte de sua calça,
pegou um pouco de água com as mãos e lavou o rosto.
Um pássaro
voou mais próximo, ele se distraiu um pouco, sorriu, encheu-se com aquele ar
morno e puro, como se alimentasse alguma coisa dentro de si. Fato verdadeiro,
pois aquele não era apenas um ar cheio de recordações. Era puro, como não se
encontrava onde morava agora. Orgulhava-se de conhecer aquele lugar.
Alegrava-se em saber que lugares como esse ainda existia. Orgulhava-se também
por se sentir, de certa forma, colaborador para que aquela natureza fosse
mantida. Sabia que seu trabalho não havia sido o mais importante, mas
reconhecia que contribuiu um pouco, de forma significativa.
Mas agora o
que importava era respirar aquele ar puro, e sentir tudo que ele trazia.
Uma balsa
passou descendo o rio, levada apenas pela correnteza, ele observou tudo que
podia ver. Homens pescando, algumas crianças se movimentando e, até uma garota
de biquíni azul, estavam a bordo. Não reconhecia nenhum daqueles rostos. Nem
poderia, não conhecia muita gente ali e fazia vários anos que não passava por
aquelas bandas.
Agora vivia
em outro estado, na capital. Fazia outros trabalhos, se relacionava com outras
pessoas. Só não nadava em outros rios. Na verdade não molhava os pés em nenhum
rio fazia tanto tempo. Sentia falta disso, e das botas sujas, do antes
inseparável boné, do Sol queimando o rosto, de caminhar longos trechos se arranhando
no mato, das estradas esburacadas, das cidadezinhas com menos de dez mil
habitantes. Tinha saudades de falar com grupos de pessoas dessas cidades, até
da falta de comprometimento da maioria, ele tinha saudades. Das broncas que por
vezes era obrigado a dar em alguns dos colegas. Mesmo com seu jeito divertido e
descontraído às vezes conseguia ser mais firme. Chegava a ser engraçado quando
isso acontecia. Com Tânia então, era mais engraçado ainda. Ele percebia o jeito
embaraçado que ela ficava, mas também percebia como ela gostava da situação. De
vê-lo tendo que ser duro. Ela sabia que ele precisava se esforçar, por isso
gostava.
Foi uma
época muito boa aquela. Fizera muitas coisas boas. Mas, o que mais o
acompanhava nas lembranças era o tempo que passaram juntos.
Pedro
gostava de lembrar do sentimento que tinha. Sabia que houve reciprocidade.
Apesar de rápido, e de aparentemente superficial, foi muito intenso e
verdadeiro. E, ele conseguia sentir o quanto Tânia o amava. E aquele amor,
apesar de proibido, era tão gostoso e lhe fazia muito bem.
Com aquele
jeito meigo e suave ela tinha uma força incrível. Diversas vezes foi seu porto
mais seguro. A cada vez que ia encontrá-la se alegrava mesmo antes de chegar. E
quando estava longe, contava os dias para retornar.
Mesmo não a
tendo tão plenamente como desejava, ainda naquele momento, caminhando às
margens daquele rio largo e manso, ele sabia que a tinha de uma forma tão
completa quanto jamais tivera alguém. E, de alguma forma, sabia que ela também
havia se entregado tão plenamente como nunca se entregou antes.
E foi tão
doloroso ter que se mudar. Quando percebeu que começara a se afastar
definitivamente dela, sofreu toda dor que se pode sofrer nas despedidas. Por
isso também o medo que ele tinha de retornar ali. Temia não conseguir controlar
o fluxo de sentimentos, lembranças e desejos que, sabia, o preencheria. Estava
certo, agora se encontrava completamente tomado por ela. As lembranças, cada
detalhe do corpo, seu sorriso, seu perfume, o gosto doce da saliva. Tudo, tudo
estava em sua mente, como se estivesse com ela agora mesmo.
Por fim,
desistiu de se controlar. Sentou na areia, à sombra de um grande ingazeiro,
baixou a cabeça e chorou.
Tudo que
queria era saber como ela estava. Por onde andava. Como estava vivendo depois
de tanto tempo.
Pouco depois
que ele se mudou, Tânia também se foi. Acompanhando seu marido que fora
transferido. Por muito tempo perderam contato. Ficaram sem se falar por mais de
três anos. Mas mesmo a distancia e sem ter notícias, não passou um dia sequer
sem pensar nela.
Recentemente
ele conseguiu alguma notícia e buscou se reaproximar um pouco. Gostava de saber
dela.
Com esforço
conseguiu seus contatos. Com internet o mundo ficou muito menor. Voltaram a se
falar. E, para sua alegria, soube que ela sentia tanto sua falta quanto ele a
dela. Confirmando que aquele amor não se mantivera so nele.
Mas, agora
era outro tempo. E aquele pequeno ângulo marcado a vários anos provocara um
enorme distanciamento. Haviam seguido caminhos diferentes. Estavam envolvidos
em histórias complexas e distantes. Seria mais difícil agora.
Já não era
só ela, mas também ele tinha outros laços. Enquanto ficou sem notícias, mesmo
com ela em seu coração procurou se entregar a outras pessoas. E havia
encontrado alguém com quem se sentia próximo o suficiente. E estava casado.
Apesar de se
falarem de vez em quando, procuravam manter a distancia física, por saber que,
assim como aquelas lágrimas fortes que caiam agora, também o desejo poderia ser
incontrolável, caso se encontrassem.
Ele se
arrastou até o carro, abriu a porta, sentou-se, ligou o som e colocou uma
canção que eles gostavam de ouvir juntos. Do banco ao lado pegou uma garrafa de
café, que comprara a menos de duas horas em um posto onde parou para abastecer
e se refrescar. A moça da lanchonete estranhou quando ele pediu a ela para
encher aquela garrafa, ainda com etiqueta de preço, com um café fresquinho. Ele
queria e, fez questão que a atendente passasse um café do jeito tradicional,
“como os feito em nossas casas”. Pagou um pouco mais caro por isso. Pegou a
garrafa cheia, comprou duas canecas de louça branca, com figuras pantaneiras, e
foi embora. Não andou muito até encontrar aquela margem tranquila onde estava
parado agora.
Serviu café
nas duas canecas. Colocou uma no capô do carro e, como eles sempre faziam
quando estavam juntos, tomou aquele café como se fosse o melhor do planeta. O
cheiro marcante do café, misturado ao perfume suave que ela usava, tinha
perfumado todos os momentos dos dois. Era o que bebiam juntos, e bebiam sempre.
Para ele,
tomar aquele café era como fazer uma reverencia à seus próprios sentimentos, ao
que ela representa e a tudo que eles viveram.
Saboreou
lentamente as duas canecas, não sem antes pedir permissão para beber a dela
também. Fechou a garrafa, guardou cuidadosamente as canecas (iria
eternizá-las), e seguiu viagem.
Ao sair
sentiu novamente, aquela sensação da despedida. Aumentou o volume do som do
carro, para não ter que ouvir sua própria voz, pois, queria cantar à plenos
pulmões, acompanhando cada música daquele cd que o acompanhara desde os tempos
que ela, às vezes andava ao seu lado.
Ao sair,
sabia da possibilidade de não voltar mais ali. Sentiu que aquela poderia ter
sido a última vez que seus pés tocaram as águas dos rios que cortam o cerrado
rumo ao Pantanal.
No banco do
carona uma semente de ingá. Ele plantaria aquela semente e cuidaria dessa
árvore com carinho. Faria dela um símbolo do amor que sentia, e que era
proibido. Quem sabe um dia Pedro conseguisse fazer uma poesia, ou mesmo uma
canção, que fizesse todos saberem sobre a existência de certo ingazeiro, e de
tudo que ele representava agora. Assim como fez um poeta sertanejo, que cantou
o amor por um “Pé de Cedro” plantado ali mesmo, naquela pequena cidade
pantaneira.
Reduziu a
velocidade, com cuidado foi encostando próximo à margem do rio. O Sol da tarde,
meio escondido na alta vegetação ciliar fazia desenhos na água, e algumas
sombras na areia, o que amenizava um pouco o intenso calor, constante na
região.
Há muito que
ele não passava por ali. A vida o havia levado para longe. Por outros caminhos.
Mas Pedro sempre se recordava dos vários momentos vividos naquela cidadezinha.
E lembrava com saudades.
Apesar de
não estar vivendo tão longe, não encontrava oportunidades para que viesse matar
as saudades. Nem oportunidades nem tempo. Coisas dessa vida louca, na qual a
maioria de nós está mergulhada hoje em dia, e que nos impede de viver
verdadeiramente.
Tinha também
um certo medo. Acreditava que ao retornar àquele lugar muitas coisas do passado
seriam afloradas, não apenas como lembranças, mas como sensações presentes. E
ele não sabia bem como reagiria a tudo isso.
Relembrando
vários momentos vividos ali, ele tirou os sapatos, dobrou as calças até os
joelhos, e saiu do carro para caminhar um pouco pela areia escura.
Queria
respirar aquele ar novamente, e molhar os pés naquelas águas outra vez.
Caminhou lentamente, sempre ao alcance das pequenas ondas. Em alguns trechos
molhou até quase os joelhos. Estava absorto, sem pressa. Olhava a paisagem
toda, mas via mais o que vinha na lembrança de momentos pretéritos.
A brisa
morna acariciava seu rosto, e ele quase sentia o doce hálito experimentado em
outros tempos. Mais de uma vez pegou-se olhando para o lado, na esperança de
encontrar aqueles olhos tímidos, e meio assustados, mas, lindos, fortes e
profundos. O velho perfume era sentido como se ela estivesse ali.
Durante sua
caminhada Pedro foi lembrando das informações que recebeu de Tânia em todos os
momentos que passaram juntos. Sua companhia era sempre uma gostosa aula sobre o
lugar, sua história e geografia. Tânia era tão apaixonada por aquela região que
até parecia ter nascido lá.
Lembrou-se
que, enquanto caminhavam, algumas vezes Tânia tinha os cabelos agitados pelo
vento, o que a forçava um gesto constante de retirada dos fios que insistiam em
cobrir seu rosto. Fazia isso sempre com a mão esquerda, de uma forma
delicadamente bela, ao mesmo tempo em que interrompia um pouco o que estava
falando, e sorria de forma marota. Era lindo de se ver. E ao lembrar Pedro
sorriu como sempre fazia.
Ao esboçar
aquele breve sorriso, Pedro sentiu um nó se formar em sua garganta. Ele engoliu
seco e sentiu uma lágrima quente escorrer do seu olho esquerdo e morrer no
canto de sua boca. Era salgada, mas lhe pareceu ser a coisa mais amarga que já
experimentara.
Caminhou um
pouco mais, aproveitou um remanso, se agachou, molhando parte de sua calça,
pegou um pouco de água com as mãos e lavou o rosto.
Um pássaro
voou mais próximo, ele se distraiu um pouco, sorriu, encheu-se com aquele ar
morno e puro, como se alimentasse alguma coisa dentro de si. Fato verdadeiro,
pois aquele não era apenas um ar cheio de recordações. Era puro, como não se
encontrava onde morava agora. Orgulhava-se de conhecer aquele lugar.
Alegrava-se em saber que lugares como esse ainda existia. Orgulhava-se também
por se sentir, de certa forma, colaborador para que aquela natureza fosse
mantida. Sabia que seu trabalho não havia sido o mais importante, mas
reconhecia que contribuiu um pouco, de forma significativa.
Mas agora o
que importava era respirar aquele ar puro, e sentir tudo que ele trazia.
Uma balsa
passou descendo o rio, levada apenas pela correnteza, ele observou tudo que
podia ver. Homens pescando, algumas crianças se movimentando e, até uma garota
de biquíni azul, estavam a bordo. Não reconhecia nenhum daqueles rostos. Nem
poderia, não conhecia muita gente ali e fazia vários anos que não passava por
aquelas bandas.
Agora vivia
em outro estado, na capital. Fazia outros trabalhos, se relacionava com outras
pessoas. Só não nadava em outros rios. Na verdade não molhava os pés em nenhum
rio fazia tanto tempo. Sentia falta disso, e das botas sujas, do antes
inseparável boné, do Sol queimando o rosto, de caminhar longos trechos se arranhando
no mato, das estradas esburacadas, das cidadezinhas com menos de dez mil
habitantes. Tinha saudades de falar com grupos de pessoas dessas cidades, até
da falta de comprometimento da maioria, ele tinha saudades. Das broncas que por
vezes era obrigado a dar em alguns dos colegas. Mesmo com seu jeito divertido e
descontraído às vezes conseguia ser mais firme. Chegava a ser engraçado quando
isso acontecia. Com Tânia então, era mais engraçado ainda. Ele percebia o jeito
embaraçado que ela ficava, mas também percebia como ela gostava da situação. De
vê-lo tendo que ser duro. Ela sabia que ele precisava se esforçar, por isso
gostava.
Foi uma
época muito boa aquela. Fizera muitas coisas boas. Mas, o que mais o
acompanhava nas lembranças era o tempo que passaram juntos.
Pedro
gostava de lembrar do sentimento que tinha. Sabia que houve reciprocidade.
Apesar de rápido, e de aparentemente superficial, foi muito intenso e
verdadeiro. E, ele conseguia sentir o quanto Tânia o amava. E aquele amor,
apesar de proibido, era tão gostoso e lhe fazia muito bem.
Com aquele
jeito meigo e suave ela tinha uma força incrível. Diversas vezes foi seu porto
mais seguro. A cada vez que ia encontrá-la se alegrava mesmo antes de chegar. E
quando estava longe, contava os dias para retornar.
Mesmo não a
tendo tão plenamente como desejava, ainda naquele momento, caminhando às
margens daquele rio largo e manso, ele sabia que a tinha de uma forma tão
completa quanto jamais tivera alguém. E, de alguma forma, sabia que ela também
havia se entregado tão plenamente como nunca se entregou antes.
E foi tão
doloroso ter que se mudar. Quando percebeu que começara a se afastar
definitivamente dela, sofreu toda dor que se pode sofrer nas despedidas. Por
isso também o medo que ele tinha de retornar ali. Temia não conseguir controlar
o fluxo de sentimentos, lembranças e desejos que, sabia, o preencheria. Estava
certo, agora se encontrava completamente tomado por ela. As lembranças, cada
detalhe do corpo, seu sorriso, seu perfume, o gosto doce da saliva. Tudo, tudo
estava em sua mente, como se estivesse com ela agora mesmo.
Por fim,
desistiu de se controlar. Sentou na areia, à sombra de um grande ingazeiro,
baixou a cabeça e chorou.
Tudo que
queria era saber como ela estava. Por onde andava. Como estava vivendo depois
de tanto tempo.
Pouco depois
que ele se mudou, Tânia também se foi. Acompanhando seu marido que fora
transferido. Por muito tempo perderam contato. Ficaram sem se falar por mais de
três anos. Mas mesmo a distancia e sem ter notícias, não passou um dia sequer
sem pensar nela.
Recentemente
ele conseguiu alguma notícia e buscou se reaproximar um pouco. Gostava de saber
dela.
Com esforço
conseguiu seus contatos. Com internet o mundo ficou muito menor. Voltaram a se
falar. E, para sua alegria, soube que ela sentia tanto sua falta quanto ele a
dela. Confirmando que aquele amor não se mantivera so nele.
Mas, agora
era outro tempo. E aquele pequeno ângulo marcado a vários anos provocara um
enorme distanciamento. Haviam seguido caminhos diferentes. Estavam envolvidos
em histórias complexas e distantes. Seria mais difícil agora.
Já não era
só ela, mas também ele tinha outros laços. Enquanto ficou sem notícias, mesmo
com ela em seu coração procurou se entregar a outras pessoas. E havia
encontrado alguém com quem se sentia próximo o suficiente. E estava casado.
Apesar de se
falarem de vez em quando, procuravam manter a distancia física, por saber que,
assim como aquelas lágrimas fortes que caiam agora, também o desejo poderia ser
incontrolável, caso se encontrassem.
Ele se
arrastou até o carro, abriu a porta, sentou-se, ligou o som e colocou uma
canção que eles gostavam de ouvir juntos. Do banco ao lado pegou uma garrafa de
café, que comprara a menos de duas horas em um posto onde parou para abastecer
e se refrescar. A moça da lanchonete estranhou quando ele pediu a ela para
encher aquela garrafa, ainda com etiqueta de preço, com um café fresquinho. Ele
queria e, fez questão que a atendente passasse um café do jeito tradicional,
“como os feito em nossas casas”. Pagou um pouco mais caro por isso. Pegou a
garrafa cheia, comprou duas canecas de louça branca, com figuras pantaneiras, e
foi embora. Não andou muito até encontrar aquela margem tranquila onde estava
parado agora.
Serviu café
nas duas canecas. Colocou uma no capô do carro e, como eles sempre faziam
quando estavam juntos, tomou aquele café como se fosse o melhor do planeta. O
cheiro marcante do café, misturado ao perfume suave que ela usava, tinha
perfumado todos os momentos dos dois. Era o que bebiam juntos, e bebiam sempre.
Para ele,
tomar aquele café era como fazer uma reverencia à seus próprios sentimentos, ao
que ela representa e a tudo que eles viveram.
Saboreou
lentamente as duas canecas, não sem antes pedir permissão para beber a dela
também. Fechou a garrafa, guardou cuidadosamente as canecas (iria
eternizá-las), e seguiu viagem.
Ao sair
sentiu novamente, aquela sensação da despedida. Aumentou o volume do som do
carro, para não ter que ouvir sua própria voz, pois, queria cantar à plenos
pulmões, acompanhando cada música daquele cd que o acompanhara desde os tempos
que ela, às vezes andava ao seu lado.
Ao sair,
sabia da possibilidade de não voltar mais ali. Sentiu que aquela poderia ter
sido a última vez que seus pés tocaram as águas dos rios que cortam o cerrado
rumo ao Pantanal.
No banco do
carona uma semente de ingá. Ele plantaria aquela semente e cuidaria dessa
árvore com carinho. Faria dela um símbolo do amor que sentia, e que era
proibido. Quem sabe um dia Pedro conseguisse fazer uma poesia, ou mesmo uma
canção, que fizesse todos saberem sobre a existência de certo ingazeiro, e de
tudo que ele representava agora. Assim como fez um poeta sertanejo, que cantou
o amor por um “Pé de Cedro” plantado ali mesmo, naquela pequena cidade
pantaneira.
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