Querida Amiga Lidi,
Aqui
estamos nós, novamente falando sobre angústias e desconfortos.
Olhando
para esses nossos recorrentes momentos de “aflição” quase sou levado a pensar
que somos infelizes.
No
entanto uma análise mais ampla de nossas histórias, mesmo sem aprofundar muito
na pesquisa e sem rigor científico, é fácil perceber que essa
“quase-constatação” é totalmente falsa. Afinal somos pessoas verdadeiramente
felizes.
Por
que então temos esses momentos?
A
resposta pode não ser tão obvia quanto poderia, mas pode ser encontrada sem
muito esforço.
O
fato, minha amiga, é que somos mentes inquietas.
Tenho
buscado analisar esse aspecto de nossas vidas (e você sabe bem que tenho um bom
campo de pesquisa, afinal alguns de nossos amigos comuns compartilham dessas
angustias), e aos poucos estou conseguindo fazer algumas deduções.
Veja
bem, amigalidi, você teve a sorte de provar do instigante licor que
bebem os seres com espírito livre e criativo. Como poucos de sua geração, você
arrancou ainda cedo o antolho que ornamenta grande parte da população. E, assim
como Adão, foi expulsa do “paraíso” (certamente por opção pessoal) e agora se
vê sendo obrigada a “... ter que ganhar o seu sustento com o suor do
seu rosto...” (Gênesis 3: 17-19). E sendo mulher, ainda
sofre todas as dores, prazeres e agruras herdadas de Eva.
Mas
não é isso que te traz angústias. Os obstáculos você aceita, pois sabe que os
terá. E até os reconhece como necessários ao crescimento.
O
que te provoca esses momentos não são os desafios ou os períodos tempestuosos.
Ao contrário, são os momentos de forte calmaria.
Mentes
e almas inquietas! É isso que somos minha amiga.
Tirastes
o antolho, e ao ampliar sua visão vislumbrou um pouco melhor o mundo que deve
explorar. E não aceita mais (e espero que nunca venha aceitar) a cômoda e
covarde realidade dos conformistas.
Convivo
com você, e assisto, mesmo de longe, suas vitórias. É uma vencedora, minha
amiga. Te vejo experimentando uma nova conquista em curto intervalo
de tempo.
No
entanto você sabe que a vida não é uma única prova. E não se faz um verdadeiro
vencedor com uma só medalha. Para crescer, verdadeiramente, é preciso ter novos
sonhos, correr novos riscos, vencer novos obstáculos e vivenciar novas
experiências a cada dia. Mesmo porque a cada dia você mesma é uma nova pessoa.
Após
escalar uma grande montanha, você se permitirá alguns minutos de contemplação.
Tomará algumas fotos para se lembrar sempre. Mas sabe que não pode se eternizar
ali, se alimentando do mesmo feito, para sempre. Quem se propõe a isso, em
breve estará morto. Pois terá o espírito preso, e o mundo cada vez menor. Afinal, “Não
são nossas habilidades que mostram quem somos, são nossas escolhas.” (Roger
Foscolombe, através do seu principezinho).
Você
sente necessidade de seguir. Precisa de batalhas para se sentir viva. Na
verdade as vitórias são meras conseqüências da sua forma de vida. És uma pessoa “imprescindível” pela
definição de Eugen Friedrich.
E
é exatamente no ponto entre o clímax de uma conquista e a partida para uma nova
jornada que se encontra seu momento de angustia. É que, sendo uma pessoa com
visão ampla e sentimento de liberdade, você sempre se pega em uma nova
encruzilhada, vislumbrando vários possíveis caminhos.
A
maioria das pessoas se acomoda nesse ponto. Passam a contar seu feito, com ar
heróico, sentados em alguma cadeira de balanço e fazem de suas vidas uma
monótona e vazia tarde de domingo.
Você
não aceita isso. Mas para seguir é necessário novas escolhas a cada nova etapa.
E é exatamente esse o momento de inquietude. E não é apenas pela dura tarefa de
escolher uma das possibilidades dentre as que se apresentam. Mas a própria
possibilidade de poder não fazer mais nenhuma escolha. Afinal, mesmo sendo
livre, e tendo saído de sua caverna, ela sempre está lá. E o mundo se esforça
para nos convencer que o melhor é aceitar que nossa vida não precisa de nossa
autoria para acontecer.
Todos
nós vacilamos em alguns momentos, cara Lidi. É fácil se acovardar e tomar a
atitude dos medíocres, que passam pela vida se vangloriando de um único feito,
ou sempre reclamando de não ter tido oportunidades.
Mas
você vai chegar ao final de sua jornada com mais cicatrizes no corpo, do que a
maioria de nós. E cada uma delas representará uma lição importante, uma bela
aventura, uma contribuição para tornar esse mundo melhor. Terá cometido muitos
erros. Mas até eles serão lembrados com orgulho, pois terão servido para seu
próprio crescimento, e de todos que vieram depois de você.
E
seja salvando o planeta, dando aulas de matemática como uma “bruxa do bem”,
fazendo poemas, desenhando mapas, fritando salgadinhos ou reescrevendo a
história da humanidade, sempre haverá possibilidades do novo, opção por fazer
melhor (o seu melhor), novidades a se aprender e um jeito novo a se propor...
És
uma pessoa livre, minha amiga. E isso tem um preço alto demais, e que deve ser
pago todos os dias, e por toda sua vida. Para manter-se livre, será sempre
preciso vencer o medo do desconhecido. E terá que manter o equilíbrio.
Essa é outra tarefa muito difícil. Encontrar o “caminho do meio” é tão
importante quanto não se acomodar. E é preciso encontrá-lo, ou corremos o risco
de nos tornarmos prisioneiros de nosso sonho de liberdade. E a irresponsabilidade,
inconsequência, intolerância e falta de respeito com as escolhas das outras
pessoas fazem o contraponto infeliz dessa personalidade. Não podemos esquecer,
também, que ser indiferente não é sinal de nobreza, e pisar nos semelhantes
nunca representou força, ao contrário, demonstra insegurança e despreparo. “Não
tenhamos pressa, mas não percamos tempo” (José de Sousa).
Assim
como uma febre, essas angústias servem para nos alertar que algo está fora de
ordem. Não é a febre em si que precisa ser tratada, mas o mal que sobre o qual
ela alerta. No caso das angústias, as escolhas a serem feitas.
Por
tudo isso, amigalidi, acho mesmo que nossas angústias são muito mais profícuas
do que imaginamos. Só devemos nos observar melhor, quando elas surgem, e nos
alegrar, pois elas nos indicam o momento de um novo recomeço.
Como
já dito antes, minha mochila está sempre pronta, e minha velha bota é tão
inquieta como eu, que estou sempre pronto para uma nova aventura, querendo
companhia em algum trecho, é só convidar.