30 de dez. de 2017

Sobre agridoce e outros sabores - 2017 o ano do "eita"

Certo, vamos lá.
2017 foi sim um ano repleto de “eita”, pra todos. Mas, certamente, todas as pessoas tiveram, também, muitos bons momentos.
Não posso falar por todos, nem quero. Falo apenas por mim, e de mim.
Esse foi um ano em que experimentei uma montanha russa de emoções. Não é exagero, nem eufemismo. Só uma metáfora bem representativa.
E não estou falando de acontecimentos que vieram acontecendo desde anos anteriores, para se consolidar em 2017. Tampouco de coisas que passarão desse para 2018.
Pra mim, as coisas mais importantes que vivi em 2017, aconteceram em 2017.
Mudei de cidade e, muito mais, de vida.
Comecei o ano em um novo lugar, depois de uma década na velha e boa casa nº 266, da rua 239, lá no setor Universitário, em Goiânia (quanta saudade...). Tentei transformar a casa verde, construída no lote 01 da quadra 45, rua Elvira de Faria, no setor Nova Caiapônia, nossa casa. Depois só a Casa do Naza. Minha casa. Ainda falta muito pra se consolidar. Mas me sinto em casa, de todo modo.
Era novo emprego, novo trabalho, novos desafios (alguns não imaginados). Mas assim é a vida. Estava animado. Acreditei que estivéssemos. Não estávamos. Era apenas eu.
Bina e Lino não se acostumaram com o novo endereço, e logo cismaram de partir. Primeira perda.
Depois, ainda bem no início do ano, nova, e maior perda, quem me fazia companhia, e em quem eu encontrava forças, também cismou de partir. Certamente também não se acostumou com o novo endereço/vida.
Mais alguns meses, e foi a vez do contrato cismar de partir. Pode não ter se acostumado comigo.
Perdi tudo que tinha como referência de suporte para o cotidiano. Para a vida.
A vida construída na casa 266 da rua 239, em uma década, deixou de existir.
Sim, houve lágrimas, desânimo, desencanto, momentos de raiva, outros de quase desespero. E mais lágrimas. Mas nenhuma tristeza abalou a felicidade que trago em mim. E o ronron terapêutico do Darth Vader (que se mostrou um companheiro inseparável), e as broncas da Leia (tão expressiva que assusta), foram fundamentais.
Posso dizer, então, que, ao menos pra mim, 2017 não foi um ano maravilhoso. Mas nem tudo foi ruim.
Me desfiz de toda a vida que tinha, na passagem de 2016 para 2017. E perdi quase tudo que trouxe comigo para o ano novo, para a vida nova. Mas não fiquei sozinho, nem me senti assim. O que me permitiu manter certa lucidez, e não me perder. Como sempre a vida sendo muito boa comigo, nos momentos mais difíceis.
Vi reafirmar, e fortalecer, velhas amizades. Recebi apoio de onde não esperava. E os abraços ficaram mais aconchegantes e necessários.
Também vi surgir e fortalecer ótimas amizades novas, dessas que estarão em mim por toda a vida, não importa onde nem quando eu esteja. Afinal dependendo das companhias, todo canto pode ser tão aconchegante como nossa própria Varanda. Nada melhor que poder entoar (ou criar) canções com verdadeiros menestréis (amigos de gentche), para serem compartilhadas, ou ainda gravadas na pele dos mais livres. E, apesar dos desafios apresentados, fui muito bem recebido por Caiapônia.
Percebi que ainda sou capaz de aceitar, permitir (e até contribuir para) que pessoas gostem de mim, e que algumas até se encantem. Essa, outra coisa que tem sido importante na turbulenta calmaria dos últimos meses desse ano. E se meus olhos ainda não mostram o brilho que exibia em dezembro de 2016, ao menos não está mais tão opaco quanto estiveram meses atrás.
Mas esse ano me trouxe surpresas muito felizes. Como as proporcionadas pelos amigos do lugar onde cresci, e com a imprescindível ação da querida amiga Marta Brandão. E me tornei membro da Academia Mineirense de Letras e Artes. Depois, recebi título na Câmara Municipal, tornando-me legitimando algo que sempre senti na prática, e agora sou Cidadão Mineirense (novamente a Martinha, obrigado querida).
Lino voltou pra casa. Quis ele estar comigo na hora de sua partida. E meu bom amigo morreu pouco dias após seu regresso. Agora, Bina também está de volta, como quem sente que o período mais complicado chegou ao fim.
E assim o ano do “eita” chega ao seu final.
O Naza que chegou aqui, nesse ano e nesse lugar, não existe mais. Graças a isso, sou muito mais parecido com o velho Naza de outros tempos, e mais ainda com aquele que desejo ser. O que me obriga a ser grato por tudo. Foi agridoce. Mas todo sabor pode ser agradável ao bom apreciador.
2018 iniciará sem nenhuma mala trazida desse ano. Tudo que vier será novamente novo. E as promessas são as melhores.
Não será perfeito, como a vida não é. Mas torço para que seja enriquecedor, em todos os sentidos. E à Deus, aos deuses, à natureza, às energias que regem o universo, peço, sobretudo, para que a vida continue sendo boa comigo, como sempre foi.
Que saibamos aprender sempre.
Que sejamos capazes de nos apaixonar sempre (pelo novo, pelo que se renova, pelo antigo que é base, ensinamento e suporte).
Que sejamos capazes de fazer com que se apaixonem por nós, sempre, e um pouco mais a cada novo dia.
Que tenhamos, nós mesmos, orgulho da própria vida.
Que não sejamos motivo de vergonha pra ninguém.
Que sejamos livres, e saibamos respeitar a liberdade de todos os seres, de todas as outras formas de vida.
Feliz 2018 a todos nós.


22 de dez. de 2017

Motivos

Não é por eu saber seu perfume favorito
nem por saber qual seu chocolate predileto
Tampouco por eu imaginar o filme que te emociona
ou a série que te faz 'maratonar'
Em nada disso eu quis ser exclusivo
Nem poderia
São coisas que qualquer um pode saber
inclusive eu.
Sei qual o tempero te agrada
Qual sua próxima tatuagem
conheço seu livro preferido
e qual personagem mais te encanta em “stranger things”
Sei muito sobre seus gostos e preferências
Mas essas coisas qualquer um pode saber
basta conviver, um mês, ou uns três anos contigo.
Não estou falando sobre o que sei de você.
Falo do que sinto.
Por saber como você reage ao meu abraço
de como você responde ao meu chamado
da certeza que demonstra ao dar qualquer comando
Da ternura que manifestar ao ver um novo filhote.
Do amor que não mereço, mas que merecem todos os gatos
Da maldita fé, que afasta as almas
E de tudo que está em mim
Independente de você
É nisso que penso, sempre que penso em amor.
E a cada manhã,
e ao pensar em ser feliz

29 de nov. de 2017

Atiçado

Faz festa, minha língua.
Não alimenta,
só me atiça.
O sabor de sua saliva!

28 de nov. de 2017

Atracado

Quieto, miro a outra margem
Eu, parado
ela, a cada instante mais distante.
Não remo
não caminho,
ou nado.
Apenas fico
e observo.
Esse abismo nem sempre existiu
E não havia margens.
Nem distância.
Nem essa tristeza no olhar.
Nem saudade...
Mas a vida é dinâmica.
O espaço-tempo se altera.
Cronos não morreu
        (apenas iludiu Zeus),
e segue nos devorando,
enquanto brinca com suas presas,
e zomba de nós.
E hoje esse abismo.
Intransponível,
crescente,
assustador,
profundo,
vazio...
Não há sons,
nem luz,
nem perfume.
Nada.
E, tentar transpor, torna-o ainda maior.
Por isso eu fico.
Apenas fico.
Quieto.
Ativo nessa passividade.
Lá, ao longe,
na outra margem,
ainda vejo as refrescantes águas,
onde já pude repousar,
após navegar bastante.
Aqui, não sinto a brisa.
Mas a distância anestesia.
E, aquele deus brincalhão e devorador
não apaga cicatrizes,
mas cura as feridas,
        (mais um dos seus caprichos).
Por isso permaneço aqui.
Quieto,
apenas fitando o horizonte acima do abismo.
E, em meu coração,
mantenho água,
e sal,
e brisas,
e areia.
Pra nunca esquecer que já naveguei.
E que podia repousar em paz...

23 de nov. de 2017

Feridas

Quis voar.
Sonhar longe,
pisar alto,
mergulhar livre,
sentir o vento nas palmas,
e o sol secando a saliva.
O sal do mar ardendo nas feridas.
Da pele,
do coração,
da alma.
Feridas entreabertas,
semicuradas.
Doloridas lembranças,
chagas-lições,
cortes-memória.
Lembrando-me de erros,
mostrando caminhos,
marcando escolhas ruins,
sangrando cada opção.
E há lágrima,
dor,
desconforto
e angustia
Mas mantenho aberta cada ferida.
Para não me esquecer de quem fui,
Não me perder na balsâmica ilusão,
manter a lucides,
e o aprendizado de cada lição.
E, não desistir jamais
de querer voar longe,
sonhar profundo,
e mergulhar alto.
Com cicatrizes, sim.
Mas livre
     e feliz!

21 de nov. de 2017

Autoria

Na tela branca da vida
rabisco.
Por vezes frases explícitas,
claras.
Outras vezes, obscuras orações.
Mas sigo minha sina,
traçando minhas horas,
rascunhando meus momentos,
rabiscando meu destino.
Caligrafia ilegível,
arial tamanho 12,
Ou belo manuscrito.
Não importa!
a cada pingo,
cada traço,
cada letra,
cada ponto,
ou travessão,
um novo passo.
Já é outro lugar,
Nova sentença,
outro parágrafo.
Um ponto e virgula;
Virar a página,
arrastar a alavanca de retorno,
Novo “enter”.
Se a escrita segue tranquila
letras suaves,
tipos perfeitos.
Se há lágrimas,
borrão,
manchas,
rasuras.
Mas a escrita segue
Pois é minha tela,
meu bloco,
minha resma.
Ninguém mais pode rabiscar.
Podem até me inspirar,
sugerir,
opinar.
Mas, se é minha essa história,
ninguém escreverá por mim.

19 de set. de 2017

Quero fugir daqui,
                de mim.
Quero encontrar um lugar,
Um mar onde velejar tranquilo
Um deserto
onde minha lágrima não molhe a areia
uma montanha tão alta
que nenhuma saudade consiga chegar
Um lugar onde estar só, não seja solidão
Um lugar diferente
Onde tenha perfume, as flores.
E dos frutos emanem doces odores
Onde o ar entre nos pulmões
Leve
E não como explosão.
Quero refazer caminhos
Retocar pinturas
Reescrever versos tortos
Regar canteiros,
                E não decepar margaridas
Brincar ao amanhecer
Correr livre em meia tarde
E, no ocaso da existência,
Que eu possa me sentar em paz
Ao lado de quem não teve medo de viver comigo
Me sentir seguro
E protetor
Ao segurar uma delicada mão
Quero sentir o tempo passar sem medo
Sem pressa
E sem vergonha.
Que o vinho me seja companheiro de risos
E não alívio da dor
Que as lagrimas existam
Mas que venha muito mais por alegria
E quase nunca por sentir que escolhi errado.
Que as escolhas não pesem
Que os passos não pesem
Que os anos não pesem
Mas que a vida,
                ela, inteira,
tenha valido a pena.
É o que espero
Por isso,
                Talvez,
Eu queira fugir de mim agora.
Mas sei que para chegar lá,
                Onde espero,
Preciso, antes,
Passar por aqui.
E tenho certeza,
Esse exato momento,
Que agora doe
Um dia será lembrança feliz
Aprendizado
Necessária lição.
Só por isso não fujo
Sigo firme,
No agora
Me agarrando a tudo que está ao alcance de minhas mãos
Lembrando de cuidar sempre
Desse inocente
Inconsequente
                E quase irresponsável
Que é meu pobre coração.

11 de set. de 2017

Meio que...

Meio sem querer, te observei.
Com seu jeito expansivo
humor meio que ácido
Inteligência aguda
Meio sacana,
            (muito maliciosa)
foi assim que chegou.
Invadiu meu universo
Me alterou completamente.
Desorganizou meus dias
Organizou minha vida.
E, em pouco tempo, tornou-se assim,
            meio que vital.
Me deixando meio dependente dessa disfarçada força
            (incompreensível pra mim)
Que me altera por inteiro...
Só me resta admitir: te quero tanto,
            e tão intenso.
(Meio que o tempo todo)
te quero aqui,
perto de mim.


1 de ago. de 2017

Retificação do Regulamento

Prezadxs visitantes, escritores e escritoras,
O Regulamento do 1º Concurso Literário Deriva teve o caput do Art. 2º retificado, para dar mais clareza. Veja aqui o Regulamento atualizado.

E esse inverno que não quer passar
E esse frio lá fora, e aqui dentro
E esse medo de não ter calor
E a vontade do mesmo sabor
Não esse amargo na saliva
E a desordem
E essa tormenta
Tempestade em pleno vácuo
E a incerteza se devo seguir
E a insegurança
E essa dúvida se vou conseguir
E o sufocante, e pesado, vazio
E esse nó que não se engole
E a ferida que não cura
E essa necessidade de mantê-la exposta
Aberta
Sangrando
Doendo
Me lembrando, pra sempre,
Que te amo
Mas que um dia te deixei partir...

21 de jul. de 2017

Abrigo

Lugar seguro é seu abraço
Onde me aninho
e me protejo
e me revigoro
e encontro forças
para ser  o homem frágil que sou.

Lugar tranquilo é seu abraço
onde posso relaxar
descansar
sonhar
criar
ou simplesmente contemplar

Melhor lugar, é seu abraço
pra onde vou sempre, sem pressa
pra onde qualquer caminho me traz
de onde não quero sair
que procuro o tempo todo
pois é onde encontro a paz.

4 de jul. de 2017

1º Concurso Literário Deriva

Atenção escritores e escritoras de Caiapônia e região, estão abertas as inscrições para o 1º Concurso Literário Deriva, nas categorias Poemas e Contos.
Realizado pelo Espaço Cultural Casa do Naza, O 1º Concurso Literário Deriva tem como objetivo incentivar, valorizar e divulgar a produção literária de Caiapônia-Go e região.
As inscrições podem ser feitas até o dia 31 de agosto, exclusivamente pelo email: concursoderiva@gmail.com
Podem participar do concurso todos os escritores e escritoras maiores de 16 anos, residentes nos municípios das microrregiões Sudoeste de Goiás e Iporá, e no município de Piranhas, estado de Goiás.
Chegou a hora de tirar seus trabalhos da gaveta, participe você também do 1º Concurso Literário Deriva.

Apoio Cultural:



 Agradecimento especial, pelo apoio, aos amigos:
  • Marta Brandão;
  • Thalyta Souza;
  • Vanja de Castro;
  • Manoel Neto;
  • Carlos Hernani;
  • Warrem de Paula (Tico);
  • Handinelle de Almeida;
  • Tarcísio Barreiro;
  • Eduardo C. de Assis;

13 de mai. de 2017

Esfinge

Linda e misteriosa
eu a vejo.
Entre observação
e contemplação.
Nem indiferente
nem apaixonado.
Relutante e indeciso
entre a ânsia de te decifrar,
e esse desejo de ser devorado.

29 de abr. de 2017

Quantas formas de solidão podemos sentir?

Certo, terminei de ouvir o lado A da fita 7. Ou, se preferir, a fita 13.
Na verdade terminei dois antes de me sentar pra escrever esse texto. Então já deu tempo de guardar tudo em alguma gaveta interna, aqui dentro.
Pode parecer estranho, inicialmente, que eu esteja aqui começando uma conversa sobre uma série americana de tv, feita por adolescentes, para adolescentes. Mas, pode apostar, não é estranho. Nem falta do que falar.
Necessário, com certeza, contextualizar tudo.
Estou falando da série Thirteen Reasons Why”, produção da Netflix adaptada do livro homônimo, do escritor americano Jay Asher lançado em 2007. A série foi lançada esse ano. Uma década depois do livro. Exatamente no ano em que certa Baleia Azul ganhou notoriedade, por levar vários adolescentes e jovens, no mundo todo, a darem cabo da própria vida.
Alerta de spoiler!
A história trata do suicídio de uma jovem estudante, abordando os fatos que a levaram a se matar. E os fatos que se desenrolam após, como consequências. E a produção foi muito feliz em traduzir a melancolia muito presente na adolescência. Então todos os episódios são tensos. Até tem momentos de leveza, onde se pode esboçar um sorriso. Mas, até aí o riso é amarelo. Sem graça. Triste.
Não vou aqui falar da qualidade das interpretações, da fotografia, trilha sonora, nem figurino. Sobre isso, digo que está bastante condizente com o que se espera de uma produção do gênero.
Quero falar sobre o conteúdo. Ao menos de parte dele.
Como disse, o pano de fundo é o suicídio de uma adolescente. Mas o autor aproveita muito bem esse fato para discutir, e provocar reflexões sobre muitas coisas que podem orbitá-lo.
Comum pensar, imediatamente, que se trata de um caso de depressão. Tema que até é abordado na história. Mas não esse o tema principal.
O que está mais presente, em toda trama são as diversas maneiras que uma pessoa pode sentir solidão. E é sobre isso que pretendo me deter aqui.
Mas, no caso de Hannah Baker, vários fatores, foram responsáveis pela solidão na qual vivia. Fatores muito fortemente presentes na cultura americana, e que temos, cada vez mais, copiado para nosso cotidiano.
Primeiro, tem a cultura infame de, nas escolas, ter os “mais populares”. Esse não é exatamente o problema. O problema é que quem é escolhido como popular se acha no direito de agredir, humilhar, assediar sob vários aspectos, os demais.
Segundo, sempre me causou espécie o corporativismo criminoso presente nas organizações americanas. Das fraternidades acadêmicas às chamadas “sociedades secretas”. Sob a qual os crimes cometidos por um membro não deve, jamais ser denunciado pelos demais. Ao contrário, todos se mobilizam no sentido de ocultar. Mesmo que para isso precisem sacrificar um inocente. E em muitos casos, é isso que acontece.
O mais impressionante nesses dois aspectos é o quanto as famílias, a imprensa e Hollywood se esforçam para manter, e fortalecer.
Praticamente toda série adolescente americana incentiva o comportamento abusivo dos “populares”, e ensina aos demais, sobretudo às meninas, que a única coisa que elas devem pretender é serem aceitas por aquelas, e se esforçarem para se tornarem iguais a elas. Ninguém tem o direito de ter personalidade própria. De pensar ou querer diferente.
Da mesma forma, vê-se em vários filmes e livros o reforço e incentivo ao comportamento corporativo criminoso. Onde, caso alguém resolva denunciar um crime cometido no meio, não será o criminoso, mas o denunciante que será severa e exemplarmente punido.
Vimos isso em “Perfume de mulher”, “Sociedade secreta” e tantos outros. E tudo isso pode ser visto, junto, em “O clube do Imperador”.
Enfim, não faltam títulos que, não apenas mostram esse comportamento, mas incentivam-no.
Sei que não se restringe aos americanos. Cá também temos nossos exemplos de corporativismo criminoso, claramente percebidas em diversos conselhos e ordens profissionais. Mas ainda estamos um pouco longe de estado da arte, em que os americanos chegaram.
Outro fator, é o modo altamente protocolar, e frio, como algumas sociedades constroem suas relações, internas e externas. Não se conversa mais livremente. Não se pode expressar sentimentos. Tudo é formal, frio, burocrático.
E, por fim, o pensamento/comportamento machista que ainda impera em todas as sociedades do planeta. E que leva a nós, homens, a achar que podemos fazer tudo que quisermos com as mulheres. Quando e onde quisermos. E que elas devem aceitar sem resistência. E, depois, devem conviver. Tocar suas vidas, como se nada tivessem acontecido.
Todas essas características estão presentes na escola de Hannah Baker. Os atletas e lideres de torcida se ocupam em humilhar todos os demais. E a bela Hannah não era nem atleta, nem líder. Era apenas uma garota bonita e medianamente inteligente. Era bonita e, vejam só, por isso era hostilizada, humilhada e assediada o tempo todo. (sei que parece contraditório, mas de fato não é). Ela não tinha amigos. Os garotos a desejavam, mas a viam apenas como uma garota com quem transar facilmente. Mesmo que ela não tenha transado, efetivamente com ninguém. Mas o que importa é o que circula pelos corredores, e não os fatos. E ela então estava sempre sozinha, apesar de cercada por centenas de jovens na mesma idade.
Hannah presenciou uma colega ser estuprada. E teve que conviver com isso sozinha, sem conseguir expor pra ninguém. Sem desabafa sobre. Sabe-se lá o que é para uma garota viver com isso, só pra si? Eu nem consigo. Mas tenho imagino que deve provocar uma terrível sensação de solidão. Deveria ter denunciado, eu sei. E alguns dirão. Mas alguém aqui já foi vítima, ou presenciou? Isso mexe muito com o psicológico da mulher de uma forma muito profunda. Às vezes nos chegam notícias de mulheres que foram, ou são, abusadas por anos, e não consegue se livrar, sair de perto. E você acredita mesmo que todos os casos em que mães acobertam abuso de suas filhas, é por serem coniventes? Por não se importarem? Sim, existem esses casos também. Mas às vezes a pressão psicológica é tão assustadoramente grande, que a pessoa não simplesmente consegue reagir.
Hannah viu um acidente acontecer como consequência de um ato irresponsável de outra colega. Ela tentou evitar, foi impedida. Depois queria esclarecer, novamente não pode. Novamente o comportamento alheio provocando solidão.
Por fim Hannah foi, ela mesma estuprada. Não conseguiu reagir. Não conseguiu lutar. Apenas ficou paralisada. Muitos dirão “por que não lutou?” Outros podem dizer ainda “se não fez nada pra impedir, é porque queria”. Esses, claro, serão pensamentos masculinos. Afinal nós não podemos imaginar tudo que acontece no universo de uma mulher ao ser estuprada. Quanto destruída ela fica? Nós não conseguimos imaginar. Mas acredito que seja o máximo de solidão que alguém possa sentir. Uma solidão tão profunda, que te envolve corpo e alma. E o pior, dura por muito tempo. Em muitos casos, por toda a vida. E Hannah, que já era completamente solitária, foi arrastada para a mãe de todas as solidões.
Mas o que ela estava fazendo lá, em uma piscina junto com o estuprador que ela mesma viu abusando da amiga bêbada? Novamente chamo a atenção para o fato de que ela estava buscando se enturmar, fazer parte. E tem aquele corporativismo criminoso do qual já falei, que atua fortemente entre os homens, e por vezes nos convence de que certos monstro, que sabemos reais, não existem. É preciso tentar analisar sob a perspectiva dela.
Então ela pensou em desistir de tudo. Antes porem, acreditou que poderia valer a pena buscar a última ajuda possível. E o que encontrou, ao falar com o aconselhador do colégio? Frieza, impessoalidade, comportamento puramente protocolar. Como, me parece, é o comportamento comum de todos, inclusive de quem deveria ser capaz de acolher. De amparar. Mas não. Nenhuma demonstração de empatia, muito menos alteridade. Apenas conselhos quase mecânicos. Só isso já seria o suficiente para jogar qualquer pessoa, que tivesse ido procurar ajuda, cada vez mais fundo na solidão. Inda mais uma garota na condição em que Hannah se encontrava. Mas piora muito, quando o machismo fala mais forte no aconselhador. Ao perceber que ela estava contando que havia sido estuprada, o gentil senhor, educadamente aconselha a esquecer, e seguir em frente. Ok, ele usa uns argumentos que podem até parecer legais e convincentes. Mas se olhar bem de perto, vai perceber o que de fato acontece.
Pronto. Eu me senti solitário. Eu senti um vazio gigantesco. E eu estava no conforto do meu velho sofá, comendo sei lá o que.
Imagina uma garota naquela situação...
Mas, tudo ainda pode ser pior do que parece. E, enquanto vivia todos esses episódios provocadores de solidão (e diversas outras situações que deixariam esse texto ainda mais gigante), uma outra coisa acontecia. Outra coisa que também tem uma capacidade enorme de nos provocar solidões homéricas. Ela vivia um amor. Sim, ela amava um garoto. E, vejam vocês, era correspondida. Mas eles optaram por não expressarem esse sentimento. Tiveram medo. Mas, como alguém pode ter medo de assumir que ama? Simples, somos condicionados a encarar erroneamente o amor que sentimos.
Ao mesmo tempo em que somos forçados a acreditar que o melhor pra nós e sermos como o rei e a rainha do baile, também somos ensinados que é perigoso demonstrar sentimentos. Que amar pode nos fazer parecer fracos. Então temos medo de assumir.
Somos bons em querer pegar todas na balada. A beijar geral nas micaretas da vida (e nós, machos da espécie, achamos que podemos fazer isso a força, afinal, se elas estão lá, é porque querem mesmo). E nos achamos os melhores do planeta quando fazemos isso.
Mas, assumir que amamos alguém, não. Não temos coragem. E construímos um tipo de solidão que pode estar presentes o tempo todo. Mesmo nas baladas. Sobretudo após. Depois de beijar geral.
Em minha opinião, como já disse, Thirteen Reasons Why não é sobre depressão. Apesar de não ser psiquiatra, psicólogo, pastor dinheirista nem aconselhador protocolar, não acho que Hannah Baker tivesse depressão. Não enxerguei que fosse patológico. Ela não tinha sintomas. Nem teve tempo para somatizar tudo que aconteceu. Ela morreu de solidão.
Não estou aqui dizendo que todos que estavam à sua volta sejam culpuados. Não se trata de culpabilizar ninguém. Mas de reconhecer comportamentos agressivos, abusivos ou apenas indiferentes, com potencial de provocar reações negativas ou extremas.
Sei que muitas pessoas passam por situações parecidas, ou piores, e não se matam. Da mesma forma que alguns convivem com câncer ou HIV, e morrem “de velhice”. Se era mimada. Ou se estivesse querendo apenas chamar a atenção, não muda minhas observações. Pois essas características são causa e consequência do estilo de vida que estamos construindo como sociedade. E precisamos encarar isso.
Então, Hannah Baker morreu de solidão. Assim como boa parte dos jovens, que estão se matando, lavados pela Baleia. Eu acredito.
Tenho visto muitos falarem de doença psicológica e/ou psíquica. Sei que depressão é doença, e deve ser encarada como tal. Com acompanhamento profissional, e quando necessário, com uso de medicação.
Mas nem todo mundo que se mata é necessariamente uma pessoa depressiva.
O empresário que perde tudo na bolsa, se vê totalmente falido, e por isso se joga do alto da cobertura, da qual está prestes a ser despejado, não tem depressão.
O deputado japonês, pego em algum esquema de corrupção, e envergonhado, enfia uma katana no próprio peito, não o faz por depressão.
Da mesma forma muitas pessoas se matam não por depressão. Mas por solidão. Que pode evoluir, claro. Mas nem todo mundo espera.
E, nesses casos, não é necessário medicamentos, ou terapia. Basta atenção. Abraços. Sinais de que se importa. Empatia. Companhia. Alteridade.
Em março de 2009, a exatos sete anos, eu escrevi um texto onde já tratava desse tema. E, na época usei como parte do enredo a música “um homem chamado Alfredo”, da dupla Toquinho e Vinícius de Moraes (que novamente recomendo). Já naquela época eu me assustava com a capacidade que estamos desenvolvendo, de não conseguir nos doar ao próximo. Por não conseguirmos mais ter conversas demoradas, sem que seja para obter algum lucro financeiro. E essa nossa rotina tem nos tornado seres solitários.
Não me surpreende o fato de um jogo, que tem como etapa final, o suicídio, se tornar tão popular, e ter tantos jovens realizando, com êxito, o último desafio.
Afinal, temos muitas pessoas doentes com depressão. Mas estamos quase todos nós vivendo de forma profundamente solitária.
Alguns transformam isso em arte (eu faria poesia de qualidade duvidosa, pseudo melancólica). Outros em violência (vide chacinas em escolas americanas). Tem os que simplesmente convivem e administra. Mas há os que não suportam a solidão, e se matam por isso. E, para esses, qualquer tipo de incentivo é pretexto. Sobretudo que der, ao menos por alguns dias, a falsa sensação de pertencer à algum grupo.
Diferente de Pretty Little Liars, que é uma série feita por adolescente para adolescentes, e de Grey's Anatomy, que é uma série feita por adultos, para adolescentes, Thirteen Reasons Why é uma série feita por adolescentes para adolescentes e adultos. E todos poderão extrair a discussão que desejar, pois aborda vários temas altamente relevantes, e completamente atuais.
Toda minha opinião está baseada unicamente na série de tv. O livro espero ler nos próximos dias.
E, apesar de melancólica, densa e bastante down, ainda é muito mais leve do que Black Mirror. Então muito mais palatável para a maioria das pessoas. Por isso eu recomendo.
Mas, o que recomendo mesmo é que, prefira assistir a qualquer série, ou filme, ou ouvir música. Ou fazer qualquer coisa, com pessoas queridas. E, sempre que possível, o máximo possível, dedique um tempo ao ato de ser amigo. Ouça sem pressa. Abrace sem medo. E, quando amar alguém, compartilhe, demonstre, deixe a pessoa saber. Não guarde esse sentimento só pra você.
Essas coisas podem salvar muitas vidas. Inclusive a sua. Ou a minha...