Eu,
tendo crescido na boa e velha Baixadinha,
quase na barranca das nascentes do Rio Araguaia (sim, para nós, goianos, esse
rio escreve-se assim mesmo, com "R" maiúsculo, dado sua importância
social e antropológica), na periferia de Mineiros (periferia de Mineiros, no
início dos anos oitenta, imagina...), não poderia ser diferente. Só poderia dar
nesse cara que sou hoje. Um cara nada intelectual e, sim, meio de esquerda.
Não
por ser meio de esquerda, mas por ter crescido lá, em meio a aventuras nos
campos cerrados, que ficavam a poucas quadras de casa, brincadeiras nas ruas,
e, claro, frequentando uns butecos
nada recomendados para menores. Por isso concordo plenamente com o Antônio
Prata, "Bar ruim é lindo,bicho!".
Não
sou o que se pode dizer de boêmio inveterado, nem de alcoólatra sem solução.
Não é pra tanto mesmo. Mas gosto, sim, de uma mesa de bar.
E
preciso esclarecer que esse texto se trata exatamente sobre isso: Bebidas.
Confesso já que tive pretensões maiores de escrever sobre isso, de forma mais
abrangente. Mas tanto já se falou sobre, que eu não me arrisco mais. No entanto
me sinto obrigado a ressaltar que, além da água, líquido essencial à vida como
nenhum outro, aqui nos limites da pátria tupiniquim (e das enormes limitações
de minha humilde compreensão da vida), são duas as outras bebidas com uma
importância social e antropológica (tal qual nosso Rio). E ambas são importantes
pelo mesmo motivo, mas com razões bem distintas. Uma é o café, a outra, a
cerveja. Tudo bem, sei que muita gente aprecia demais um bom vinho. Outros não
abrem mão de um ótimo whisky. Tem os que não vivem sem refrigerante e aqueles
que ingerem apenas suco natural, sem gelo e sem açúcar. Tem quem perde a linha
com uma boa tequila, e aqueles que só funcionam com energético. Tudo bem. Eu
sei disso. E, com exceção do refrigerante, eu também tomo, raramente quase
todas as outras bebidas. Inclusive, entre os destilados, a preferência é pela
boa cachaça brasileira (e nisso Mineiros sempre foi muito bom), e quem nunca
brincou com os duendes coloridos que uma garrafa de absinto te apresenta, não
se divertiu completamente, e ainda não pode morrer feliz.
Apesar
de tudo isso, em minha opinião, as bebidas se dividem em alguns grupos. E,
analisem comigo (e não se esqueça, estou falando dos hábitos de nós,
brasileiros). Vinho é uma coisa de casal, de ambiente romântico. De conquista,
ou reconquista. Muito intimista. O Whisky então, é solitário. O cara chega em
casa, depois do trabalho, senta no sofá, tira os sapatos, afrouxa a gravata e
relaxa com uma dose (e, por favor, que seja cowboy). Ou nem chega em casa,
escritórios e gabinetes, não raro, tem whisky. É uma coisa quase protocolar.
Tequila e vodka, cá pra nós, é coisa da azaração. É o que enlouquece a
mulherada. Até se toma em grupo, mas não confraternizando. Quase sempre que se
tem uma tequila na mesa, existe ali intenções pra depois, que normalmente
envolvem lençóis amarrotados e roupas pelo chão. E, nossa cachaça vive uma
séria crise de identidade. Ela continua sendo apreciada pelas classes menos endinheirada, como sempre foi, desde sua
origem. Mas agora a coitada recebeu carimbo de cult, por parte de um seguimento da sociedade. E virou objeto de
apreciação rebuscada. De degustação. Passando, com isso, a ter um comportamento
muito semelhante ao do vinho e do whisky juntos.
Agora,
a cerveja e o café não, meu amigo. Essas duas bebidas cumprem o importante
papel social de agregar pessoas. Os colegas de trabalho querem se reunir pra
conversar, o que eles fazem? Vão pra copa tomar um cafezinho, ou pra um bar,
tomar uma cerveja (ou sua variação, o chope). Quer reunir a galera, mesa de bar
com a boa loira gelada. No meio da
tarde, pra uma pausa relaxante e agradável, senta-se com os amigos em uma
cafeteria e relaxa-se com aquele aroma maravilhoso. Chega visita, o que todos
querem servir, um bom cafezinho. O churrasco dos amigos, o que tem? E para
criar um ambiente aconchegante com a família, mesmo que seja para discutir
algum sério problema?
Cada
uma dessas duas bebidas tem sua própria vocação. Mas as duas cumprem essa
tarefa que nenhuma outra cumpre. Que é de reunir as pessoas. De agregar. De
aproximar.
Feito
esse longo desvio, podemos voltar ao verdadeiro objetivo desse texto.
Gosto
de ter pessoas por perto. Apreciou a companhia dos amigos, e sou grande
apreciador de café e de cerveja. Sim, eu tomo essas duas bebidas de forma
solitária e/ou apenas com minha própria companhia (agora mesmo, enquanto
escrevo esse texto, estou saboreando uma delas). Mas com as cervejas, o
ambientes propício para o consumo, são os bares.
E
eu, tendo frequentado os muquifos da Baixadinha de minha adolescência, é
normal que não tenha, digamos, enorme predileção pelos caros bares da moda.
Isso
não significa, também, que eu me contente com porcaria. Realmente não é isso. E
até me considero uma pessoa com relativo bom gosto.
Mas,
tem coisa que não se encontra nos ambientes chiques de nenhuma cidade.
Ainda
nos tempos de Mineiros, quando reuníamos os amigos, por vezes queríamos algo
mais refinado. Nesses casos nos esforçávamos pra nos contentar com os ditos
"melhores ambientes" que a cidade oferecia.
Parêntese
para dizer que, como toda cidade do interior de Goiás (e não sei se em outros
estados isso é diferente), em Mineiros bares são as únicas opções de lazer para
a grande maioria dos jovens, mesmo assim, e apesar disso, nunca teve grande
diversidade, fecha parênteses.
Mas
quando queríamos curtir de verdade, sem frescuras e completamente livres,
buscávamos os ambientes que minha queridíssima Lílian chamava de "xexela". Ora, meus amigos, a
cerveja mais gelada da cidade era servida em um bar ao lado da casa da minha
mãe, que atendia pela alcunha de "Daynner
Bar", uma dessas maravilhosas xexelas, que cresceu muito rapidamente
graças às qualidades que quero acentuar aqui. Calma, já estou chegando lá.
Goiânia,
onde moro desde alguns poucos anos, se orgulha de dizer que é uma das capitais
brasileira com o maior número, proporcional, de bares. Ficando atrás apenas da
irmã mineira, Belo Horizonte.
E
aqui realmente a vida noturna consegue agradar, com relativa qualidade, todos
os gostos, de todas as tribos. Há sim, algumas segmentos mais bem
representados. Mas, da galera roquenrou aos apreciadores do melhor samba, passando por todos os estilos, encontra-se
ambientes que agradam. É mais fácil encontrar ambientes sertanejos, é verdade. Mas velho, estamos em Goiânia. Se nasceu, ou
escolheu viver aqui, aceita esse fato e seja feliz.
No
entanto não é desses botecos todos que estou falando. Eles são bons. Vou em um
ou outro de vez em quando. Mas, se esqueça, estou falando das xexelas. Dos
chamados bares "copo sujo".
É desses que estou falando.
E
estou falando não pra ressaltar a falta de qualidade e a bagunça. Pelo
contrário. É exatamente para ressaltar qualidades que não se encontram nos
bares e restaurantes chiques e caros que a cidade oferece.
Claro,
alguns butecos não são recomendáveis nem aos inimigos. Mas existe uma categoria
de bares copo sujo em Goiânia que
merece, e precisa ser ressaltada. São bares que estão abertos há muitos anos.
Butecos que servem ótimas cervejas geladas e deliciosos petiscos. Mas que
servem, principalmente, a cordialidade e a amizade dos proprietários, a todos
que atendem.
Butecos
onde os "fregueses" são
amigos e, até viram gerentes. Onde o Deputado e o Juiz sentam junto ao pedreiro
e ao mecânico, e comem linguiça enquanto discutem amenidades como a rodada de
futebol, o sexo dos anjos ou os destinos do país. Butecos onde você vai sem
medo, pois tem certeza que a cerveja está sempre gelada, o atendimento e a
cordialidade, sempre quentes. Lugares onde se pode ir com a nova namorada, ou
com a família toda, que não terá problema nenhum. Onde se come torresmo com as
mãos, e a pimenta está sempre à mesa.
Lugares
abertos há mais de três ou quatro décadas (muito antes da maioria dos atuais
lugares da moda pensarem em existir, e antes também da proliferação das bancas
de espetinho com jantinha, que hoje estão em todas as esquinas), e continuam
atendem da mesma forma, e com clientes fieis desde a abertura.
Temos
alguns desses no centro, e vários nos bairros mais antigos da capital. Mas
também existem nos bairros mais distantes, e bem menos tradicionais.
Se
você vive em Goiânia, ou está passando por aqui, é muito fácil encontrar guia
de bares, boates e restaurantes bacanas (que são bons de verdade). Mas você
pode passar a vida sem saber onde comer o melhor peixe frito ou a melhor
costela com mandioca. Ou ainda nunca conhecer preciosidades como o famoso
"Pica-paú".
É
para ocupar essa lacuna, e prestar esse verdadeiro serviço de utilidade pública
que um grupo de amigos, todos lá do interior, e todos apreciadores do ambiente
dos bares copo sujo, resolveu se
reunir e criar um guia. Poderiam chamar de "Guia o melhor do pior de
Goiânia" mas isso não seria justo com os bares, nem honestos conosco, os
fiéis frequentadores. Poderia ser "Guia Lada B de Goiânia", mas
lembraria muito mais movimento musical, e suas lembranças. E em alguns ótimos
butecos nem tem música.
Então
será chamado mesmo de "Guia dos butecos
copo sujo de Goiânia". Sem ofensas nem discriminação. Apenas sendo,
assim como esses adoráveis ambientes, tradicionais.
Então
esse grupo de amigos, no qual, por sorte, me incluo, se dará ao trabalho de
visitar esses estabelecimentos. Experimentaremos suas bebidas e suas comidas.
Provaremos o que cada um tem de melhor. E contaremos tudo em um blog que em
breve será lançado.
ótimo texto.
ResponderExcluirTambém ja tive essa ideia de vistar os lugares e fazer meu próprio comida de buteco underground