Não houve silêncio.
As pessoas continuaram suas conversas
normalmente, provocando ruidoso burburinho. A banda não cessou seu show.
Continuou entoando seu partido-alto, meio desafinado, e um pouco atravessado.
A pequena multidão envolvida no clima que
lembrava os momentos que antecediam o inicio das orgias romanas. Imersos na
contagiante música, e inebriados pelo alto teor de álcool que regava a todos os
presentes.
Cervejas e caipirinhas eram trazidas o tempo
todo, pelos garçons.
Entre as mesas de latão, que não raro fazia
as vezes de tambores e tamborins, homens e mulheres se espremiam, se roçavam e
se seduziam, em uma dança altamente sensual para quem estava dentro mas,
certamente, estranha para quem observasse de fora.
O álcool, o pouco espaço para tantas pessoas,
as roupas provocantes, em alguns casos a quase total ausência delas, o suor, a
música, a pouca luz. Enfim, tudo favorecia a pegação geral que estava
instalada. Vez ou outra, algum valentão não gostava da forma como o cara ao lado
olhava pra sua companheira, ou a forma como se esfregava nela, e ensaiava uma
briga, que era facilmente contida pelos mesmos motivos.
Em um canto, uma das poucas mesas onde se
podia ver alguém sentado, duas pessoas pareciam não estar ali. Com pele bronzeada,
cabelos artificialmente loiros, na altura do meio das costas, mini-blusa preta,
que realçava seus belos seios, e shorts jeans, curtíssimos, que deixava à
mostra suas coxas deliciosamente torneadas e delineava, escondendo muito pouco,
de o pouco que cobria. Parcialmente coberta, uma tatuagem pouco acima da
virilha, mostrava uma bela borboleta azul sobre duas rosas brancas. Nos pés
sapatos de salto alto e fino, couro marrom, com tiras enlaçadas nas
panturrilhas, até quase os joelhos. Verdadeiramente linda, e altamente
desejável.
Ela tentava sorrir e, nesse esforço, exibia
seus dentes brancos, com o metálico de um aparelho ortodôntico. Tentava, mas
claramente não conseguia.
Ele, negro forte, olhos expressivos, cabelos
raspados, conforme exige a moda dos pagodeiros e jogadores de futebol. Pele bem
cuidada, corpo malhado, sorriso igualmente belo. Ela falava com ele com carinho
e paciência. Ele quase se exaltava, mas apenas a olhava com mais devoção, quase
pedinte. Pela expressão o volume de suas vozes era baixo demais para ser ouvido
pelo próprio emissor, devido ao volume da música e ao alarido da multidão. Mas
eles pareciam estar se entendendo perfeitamente. Na verdade não se pode afirmar
que eles estavam ali, naquele local. Se seus corpos não fossem vistos, e se sua
mesa não fosse empurrada por quem tentava rebolar ao lado, ninguém os notariam,
nem eles seriam trazidos de volta para lá, às vezes.
A sensação era de que se um aquele pequeno
espaço composto pelos dois, uma mesa onde havia uma garrafa de cerveja, dois
copos, um saleiro e alguns guardanapos, estivesse envolto em algum tipo de
isolamento. Que nada externo pudesse chegar até eles. Que não ouviam, nem
percebiam sons, toques, aromas nem a temperatura. O clima de sensualidade,
então, era totalmente ignorado por eles.
Em algum momento uma
lágrima.
Ele chorou, não
entendia. Queria dizer que não aceitava, mas não era assim. Sabia que não tinha
como forçar. Mas se permitia não entender. Afinal, se ele fez tudo que podia
para fazê-la feliz...
Ela decidida, repetiu
algumas vezes, de forma firme, enfática e definitiva.
Era o fim do namoro
que durara apenas um ano e quatro meses.
Ele esperava que
durasse para sempre.
Ela decidiu que já
era tempo demais.
Não que estivesse
infeliz. Não era isso. Apenas não estava feliz. Gostava dele, mas não o
suficiente para prosseguir. Depois de breve análise decidiu que era melhor
parar antes que a dor se tornasse maior. E não queria demorar muito mais para
experimentar outros abraços, outros beijos, sabores de outras salivas,
gametas, suores...
Ele se levantou,
atravessou todo o ambiente, sem ouvir a música, sem ver a morena seminua que
quase se jogou encima dele. E foi embora, sem sair da cápsula que não mais o
protegia, apenas o sufocava.
Ela levantou-se, ajeitou
o short, mexeu nos cabelos, tomou um gole de cerveja, e foi sambar atenta, sabendo que iria escolher alguém para ser seu, ao menos por aquela noite...
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