Quero doar meus órgãos,
Para que sirvam a alguém,
Quando não mais os vestir.
Preciso, entretanto, de sua permissão.
Pois que é seu, meu coração.
Quero doar meus órgãos,
Para que sirvam a alguém,
Quando não mais os vestir.
Preciso, entretanto, de sua permissão.
Pois que é seu, meu coração.
Lembrei-me de você,
Como sempre me lembro de nós.
Pretendi esquecer. Impossível, você não sai de mim.
Guardei as fotos na gaveta mais funda.
As cartas digitalizei, para queimar, simbolicamente, os papeis.
Troquei o perfume.
Já não me visto como antes.
Meu prato preferido, mudei também.
Mas acordei pensando em nós.
Memórias que estão na pele.
Na saliva,
No olfato e paladar.
No meu jeito de pensar.
Em todos os meus sentidos.
Em como respiro pra viver.
E eu simplesmente me lembro de você.
Me lembrei e tive medo.
Medo de falar sempre de você,
Já que está totalmente em mim.
O que dirá meu toque, acariciando outros corpos?
E meu beijo, não dirá seu nome?
Meu suor terá seu perfume?
Será o seu gosto, em minha saliva?
Arrepiará meu corpo, o seu calafrio?
E quanto à você?
Te alegrará, meu sorriso aberto?
Em sua solidão buscará meu colo?
Será minha proteção, a espantar seu medo?
Seus suaves movimentos buscarão meu gozo?
Futuros amantes hão de entender
Que estas em mim, e eu em você,
Como tatuagem, para toda vida.
Mas eu tenho medo
Que confundam nossas vozes.
Que reconheçam o outro, em todos os nossos poros,
E que me vejam em ti
Como é bem fácil enxergar você
Sempre que olharem dentro dos meus olhos.
Essa história do resgate dos mineiros, lá no Chile, mexeu com todo mundo. Por algum motivo todos se solidarizaram com aqueles 33 homens (coincidentemente o mesmo número aceito como a idade de Cristo).
Houve esforço do governo chileno e colaboração de especialistas de vários países. E, por fim eles foram resgatados. E todos ficamos felizes.
Sim, a felicidade foi compartilhada. Mas tem uma coisa que é só daqueles homens. O fato de terem sido resgatados. E é isso que me trás aqui.
Para melhor expressar o que quero dizer, vou trocar “resgatados” por “salvos”. Espero que os leitores não se importem.
É que quero aqui falar dos efeitos que o fato de ser salvo provoca em uma pessoa.
Claro, a minha experiência se restringe a minha própria vivencia e à poucos casos que tive a sorte de assistir.
Muitos já disseram que “as derrotas nos ensinam mais que as vitórias”. Tem muita verdade nessa afirmação. Mas por tudo que passei pela vida, até hoje, posso dizer que o que realmente faz diferença na vida de alguém, é o número de vezes, e as formas que se é salvo.
Mais que as derrotas e as vitórias. Mais que as conquistas ou as decepções. Ser salva muda, verdadeiramente uma pessoa.
Por que posso afirmar isso? Por ter sido salvo várias vezes.
E não estou falando apenas de ter a vida, literalmente (por assim dizer, já que em todos os casos, acho que literalmente caí bem) salva. Mas de ser salvo das mais variadas formas.
Não que eu não tenha sido salvo da morte alguma vez. Fui sim. Por duas ocasiões.
Na primeira eu estava me afogando, lá no córrego do Cedro. Poço pequeno, farra de garotos. Todos pequenos. Eu devia ter entre 9 e 11 anos, não me lembro bem a idade. Mas não vou me esquecer nunca o fato. Lá estava eu, sem ser notado por ninguém, me afogando, quando um garoto grande, o maior que estava lá, até destoando da turma, passou perto de mim com uma câmara de ar. No reflexo eu me agarrei por um instante. Foi rápido. A conta de me mover uns dois passos do ponto onde estava, e já estava à salvo. O garoto brigou comigo, me achando folgado, por me apoiar em sua “bóia”. Ele não faz idéia, mas eu teria morrido ali, em alguns minutos e ele, sem querer, me salvou.
A segunda vez que fui salvo da morte, foi mais trágico. No alto de uma cachoeira de cerca de
Levei quase uma centena de ferroadas, fiquei alguns dias com dores por todo corpo. E algumas semanas com dores nos rins, que se esforçavam pra limpar meu organismo. E logo estava recuperado. Nós, os garotos do TEBE, fizemos piadas do episódio, rimos muito, e também tentamos tirar algum ensinamento desse fato. Mas eu nunca mais seria o mesmo. E não apenas pelo fato de sermos uma pessoa nova a cada segundo. Mas pelo impacto de mais esse salvamento.
Essas foram as duas vezes que fui salvo da morte. Mas não se resume aí as vezes em que fui salvo.
Na verdade várias foram as vezes que eu fui salvo por outras pessoas.
O Maurício de Sousa que, através de seus personagens, fez enorme diferença em minha vida, me oferecendo fugas de uma realidade dura demais para um garoto pobre, lá da “Baixadinha”, me salvando de um monte de possibilidades indesejadas.
Dona Felisbina, minha mãe, que ludicamente se disponha a ler comigo as deliciosas histórias de fadas, magias, gigantes, bichos falantes, príncipes e vaga-lumes. Ela se divertia de verdade, mas sem que ela soubesse (ou, quem sabe, soubesse bem), criava em mim o gosto pela leitura. Me salvando definitivamente, e para sempre.
Seu Durvalino, meu pai, em todas as vezes em que “ralhava” comigo, e em quase todas as “surras”, me salvava de mim mesmo, impedindo que eu fizesse alguma cagada muito grande.
Mas os pais sempre salvam seus filhos. Isso faz parte da vida normal de uma família medianamente saudável. E acontece ao longo de toda vida.
Isso é importante sim. Mas quando somos salvos por outras pessoas, é diferente, pois nem sempre é esperado.
E eu fui salvo em vários momentos, por diversas pessoas, e pretendia falar sobre todos os salvamentos nesse texto. Mas ficaria um pouco longo. Por isso farei isso em outros textos futuros. Pois o que eu quero aqui é reforçar os impactos que sofremos sempre que somos salvos de alguma forma. Assim como a Rose foi salva por Jack Dawson. Não apenas de pular do navio, mas salva da vida que levava e que a estava matando (sei que é piegas, mas ainda acho linda a cena do final do filme, quando ela responde Rose Dawson, quando um guarda perguntou qual era o nome dela).
O fato é que nunca saímos de uma situação de salvamento da mesma forma que entramos. Pode ser que com o tempo, as coisas voltem a ser como eram antes. Pode ser até que não se reconheça alguns salvamentos importantes.
Mas, se não formos egoístas ou ingratos, ser salvo é o que melhor pode nos acontecer.
Podemos esquecer um namoro terminado quando se estava achando o melhor momento. Podemos esquecer aquele emprego que não conseguiu. Podemos esquecer o concurso no qual fomos reprovado, ou um tapa que alguém nos deu um dia. Também podemos esquecer o beijo naquela garota linda, que viu naquela ótima festa, ou o prêmio conquistado em algum sorteio e aquela conquista. Tudo isso pode ser esquecido. Tiramos algum ensinamento de tudo, é claro.
Mas nunca esquecemos de alguém que tenha nos salvado. Nem da circunstancia. Sempre nos lembraremos, com detalhe, do exato momento em que fomos salvos. Sempre me lembrarei do Sávio Roberto, e do desconhecido com a “bóia”, ou da dona Biura, assim como os mineiros chilenos jamais esquecerão daquele 13 de outubro, nem de cada pessoa que estavam lá, na saída daquela cápsula. Assim como Rose jamais poderia ter esquecido Jack Dawson.
Quando uma pessoa nos salva, fica gravado em nós para sempre. Para, assim, nos lembrar que não somos totalmente autosuficientes, e que não podemos viver sozinhos.
E você, amigo leitor, quantas vezes já foi salvo? Ainda é grato por isso?
Sentou-se no velho sofá, ligou a tv e tomou um gole de seu whisky barato. Já passava das quatro da manhã e ele estava totalmente acordado, mesmo sendo essa a terceira noite seguida sem dormir. Estava suado, tinha manchas de sangue por toda sua roupa e estava todo sujo de terra e lama.
Tomava um gole atrás do outro. Não via nada na televisão. Sequer olhava para a tela que só servia para clarear um pouco o ambiente, enquanto sua mente acelerada revia os últimos acontecimentos e repassava os planos futuros.
Já nem lembrava direito como e quando tudo começou, mas sabia claramente o porquê. E agora não dava mais para voltar atrás.
Na estante a foto da filha. Ele olhou como sempre olhava, com saudades da pequena que lhe foi tirada, morta em um assalto com apenas seis anos.
Foi o assaltante? Foram os policiais? Nunca ficará sabendo. Mas isso agora não faz a menor diferença. O que conta era que aquele assalto em uma casa lotérica pôs fim à sua paz. Paz que ele estava tentando recuperar a duras penas.
Levou tempo até consegui se erguer. Quase três anos após a morte da filha ele ainda não havia reagido. Perdeu o emprego, perdeu a esposa que, enlouquecida, se matou. Perdeu os amigos, que se afastaram, em clara demonstração de terem desistido dele. Perdeu a casa, perdeu a saúde e por fim, perdeu a fé.
Não acreditava mais que a polícia iria descobrir os culpados. Não acreditava, na verdade, se havia uma investigação. Não acredita que a justiça seria feita. Não acreditava que poderia voltar a sorrir, não acreditava mais em Deus. Acreditava sim, que a vida é injusta (não Deus, Esse não existia mais para ele). Acredita que devia morrer logo, para encurtar seu sofrimento. E um belo dia, que ele não se lembra exatamente quando, passou a acreditar em uma coisa nova. E vestiu de vingança.
Do primeiro lampejo de vontade, até a primeira ação foram mais de seis meses. Tempo usado para levantar informações, planejar cada etapa, arrolar os envolvidos e preparar os instrumentos necessários. Ele que passava mais tempo na cama, como um cadáver, aos poucos foi se levantando. O sol voltou a tocar com mais freqüência seu corpo debilitado.
Jardinagem e biscates diversos foi o que resolveu fazer, para voltar à vida, e ganhar o mínimo para a sobrevida.
O velho corcel marrom, quase sem pintura ainda lhe valia de transporte.
Mas sorriso era coisa que não se via em seu rosto.
Cortar grama, cortar árvores, consertar encanamento, limpar caixas d’água. Essas suas tarefas mais corriqueiras.
Gostava das plantas. Tinha especial predileção pelas rosas brancas e pelos lírios, as flores preferidas da pequena Teresa.
Trabalhava duro, todos os dias. O dia todo. E voltava sempre pra casa. Não ia a bares, não procurava mulheres, não falava com amigos (na verdade não os tinha mais havia um bom tempo) e não atendia ao telefone após as 18 horas. Tornara-se quase uma máquina. Uma triste e solitária máquina.
Sem qualquer vida social, suas únicas ocupação eram dar vazão à sua mente adoecida, embriagar-se com whisky barato e ficar na frente da tv, sem ver nada.
Há duas semanas passou a sair toda noite, sempre após as 23 horas, voltando tarde na madrugada. Os vizinhos nem se deram conta dessa nova rotina. Ninguém se importava mesmo com ele, e o barraco onde morava agora ficava em um bairro onde a normalidade é composta por coisas anormais.
A cada noite cumpria parte do seu plano sinistro.
E, na sua loucura, se sentia um pouco aliviado, sempre que voltava para casa.
Estava cada vez mais forte, e percebia que a cada madrugada crescia um pouco mais sua coragem para o último e mais importante passo que precisa dar.
Agora, enquanto tomava mais um gole do seu whisky barato repassou seu plano. Faltava apenas quatro noites, se nada saísse errado. E nada deu errado até aqui, por isso ele sentia que tudo aconteceria perfeitamente como planejara.
O alarme do relógio sinalizou 5 horas, ele deu mais um trago, e foi se lavar. Durante o banho, suas constantes lágrimas se misturaram mais uma vez com o resto de sangue que a água do chuveiro e o sabão retirava de sua pele. E ele tentava se animar, lembrando que em cinco dias estaria tudo acabado.
Quando sentirem falta dos desaparecidos, e começarem a buscá-los, e se encontrarem os 39 corpos, amarrados em grupos de 3 ou 4 à pesos metálicos, jogados no rio Meia Ponte, entre as Rodovias GO-19 e GO-20, certamente já terá passado bastante tempo. E se desconfiarem dele, ou não, e alguém ir à sua procura, não o encontrarão vivo.
Seu corpo estará sozinho, no velho barraco, sentado de frente à uma tv ligada, sem ver nada, como quase sempre foi. Ao lado haverá uma garrafa de whisky. Nada mais.
A velha e eficiente cicuta já estava diluída em uma das três garrafas de whisky que tinha no armário da cozinha. A única garrafa de um bom whisky 12 anos.
Ah as boas histórias de Mineiros.
Já contei várias aqui. E ainda tem um monte.
Hoje me lembrei de mais uma que teve como cenário o bom e velho “Top-Lanches”, que ficava na Praça Dep. José Alves de Assis, em um tempo muito bom. A noite tinha aulas de contabilidade no “Instituto”, magistério e agricultura no Colégio de mesmo nome que a praça. E tinha uma turma impagável que estava sempre lá. O proprietário Toninho Gomes, contava com o auxílio do Negão (naquele tempo era normal chamar o Osmar de Negão, e ninguém dizia que nos processaria, inclusive o próprio Negão se chamava assim. Na verdade ele ainda se chama...) e, eventualmente do Necivaldo e desse cronista.
Sempre estavam por ali o Nei, o Kelson, Radimak, o Josimar, digo, aranha, a turma do 1º B, alguns participantes da JUBES e alguns que a memória propositalmente (como sempre faz as memórias) me faz esquecer agora.
Naquele universo cheirando a gordura e embalado por boa música (o bom gosto do Toninho e singular), comia-se as sanduíches com tempero da queridíssima Dona Pequena, e ria-se muito. O papo era sempre animado, e sempre se fazia piadas uns com os outros. Claro que todos eram sacaneados e todos sacaneavam. E íamos pra casa, já tarde da noite, leves e felizes.
Ali aconteceram muitas passagens que renderiam (e renderão) boas crônicas. A história que me traz aqui hoje foi um acontecimento um tanto trágico. O mais trágico que se passou (depois do roubo das caixas acústicas, que ficavam presas do lado de fora, protegida por grade metálica, formando o que parecia orelhas de coalha naquele trailer metálico).
Bem, voltando à história trágica, vamos aos fatos. Em uma noite tranqüila, sem muito movimento, de domingo. O avançado da hora já nos fazia pensar em encerrar o expediente. Estávamos eu, Toninho, Negão e mais uma ou duas pessoas, apenas. Eis que chega um amigo nosso, aqui chamado de “Sr. Fanta” para preservar sua identidade. Ele cumprimentou-nos, ficou uns dois ou quatro minutos de bobeira, conversando sobre nada, e resolveu se refrescar, ou matar a sede, não sei. Para isso pediu uma Fanta. Naturalmente eu peguei no freezer horizontal e, quando fui retirar a tampinha, com um abridor normal o Sr. Fanta interfere com sua voz muito grave, quase semelhante ao vozeirão do Henrique Gontijo
“precisa abrir não”, ele disse.
“Tudo bem”, respondi entregando-lhe a garrafa de vidro.
Ele pegou, fez um movimento com a mão, em uma pantomima como se limpasse a tampa da mesma. Claro que aquele movimento não limparia nada, ainda mais que usou a própria mão, sem tê-la levado antes. Mas isso não interessa agora. Ele fez o movimento e levou a garrafa até a boca, colocando a tampinha entre os dentes, com um movimento brusco, o típico movimento feito por quem abre garrafas, especialmente de cerveja, com os dentes, ele tentou abrir aquela garrafa.
O movimento brusco foi acompanhado de um som seco. Um tipo de “Cruc”. Vejam que não se ouviu o “tchiiiiiiiii” típico do escapar dos gazes de quando se abre uma lata ou garrafa de bebida gaseificada. O que se ouviu foi um “cruc”, nada mais.
O tempo foi curto, não mais que um minuto, mas imagino que para ele tenha sido uma eternidade, até que ele tenha tomado coragem de colocar a garrafa de volta no balcão e dissesse, meio sem jeito,
“Preciso achar um dentista”.
Lembro que era domingo e já passava da meia noite.
Não sei qual é o costume onde o leitor vive, mas lá em Mineiros, na época feliz do “Top-Lanches”, acredito que uma madrugada de domingo fosse um péssimo momento para se quebrar um dente abrindo uma garrafa de Fanta.
Claro que esse fato rendeu muitos risos e por muito tempo foi motivo de gozação entre os impagáveis frequentadores da boa e velha Praça José de Assis.
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É primavera!
E em meus dias iguais,
Não florescem as margaridas.
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