23 de set. de 2010

O Serial

O telefone toca, insistente, no meio da madrugada. O detetive Ribeiro atende sonolento e ouve do outro lado a afirmação “temos mais uma vítima aqui, detetive”.
Ribeiro abre os olhos e pula da cama. A informação o faz despertar completamente, mesmo sendo 4:47 da manhã, ele tendo ido dormir quase duas. Ele se veste rápido e segue para o local informado pela voz do outro lado da linha.
Era do outro lado da cidade. Ele chegou rápido, nessa hora o transito é relativamente tranqüilo. Alguns policiais militares isolavam o local. Quase não havia curiosos. Apenas uma meia dúzia de pessoas assustadas, entre eles a moça loira que ligara para a polícia, aos gritos, dizendo que sua colega de apartamento estava morta. Bethânia ainda estava em choque, e era auxiliada por atendentes do SAMU que também estavam no local.
Ao chegar Ribeiro é recebido pelo cabo Oliveira, que o havia acordado com o telefonema.
“O que temos aqui?”
“Mulher, 26 anos, morena, solteira. Foi encontrada pela colega com quem dividia o apartamento”.
“Mesmas características?”
“Sim! Pulsos e garganta cortados e vagina costurada”.
“Meu Deus, quando isso vai parar?”
“Quando você pegar esse doente, detetive”.
Chegaram ao quarto da vítima, a cena do crime. O cheiro de sangue fresco preenchia o ar. O corpo de Letícia sobre a cama. Totalmente nu, como se estivesse sentada com as costas apoiada no travesseiro, e este na cabeceira da cama, pernas cruzadas, e braços cuidadosamente ajeitados, com as mãos se encontrando logo abaixo do umbigo.
“Nossa, ela era linda”, Ribeiro não se conteve ao ver o rosto bem cuidado emoldurado por longa cabeleira negra que se estendia até quase tocar o colchão.
“Um tremendo desperdício, não acha?” Concordou Oliveira, tentando ser engraçado.
“Que hora ela foi morta?”
“O legista ainda não disse nada, mas pelas características foi por volta de meia noite. A colega chegou por volta das duas da manhã e estranhou quando viu a porta do quarto aberta, luzes acessa e o som ligado, quando entrou no quarto encontrou isso”.
“Deve ter sido um susto e tanto. Coitada”.
Ribeiro, detetive experiente em colher evidências em cenas de crimes, ficou ali por quase duas horas observando, fotografando, coletando tudo que pudesse dar informações sobre o que aconteceu naquele quarto. Muito esforço e pouco resultado. Quase nada lhe pareceu fora do lugar. Quase nada que dissesse alguma coisa sobre o assassino. Outra vez ele havia sido cuidadoso, “limpo”, sem deixar rastros.
As 7:23 ele liberou a cena do crime para que os legista levassem o corpo da vítima para o IML, para depois. Ribeiro pediu para ser informado o mais rápido possível de tudo que descobrissem naquele corpo.
“Betão, estou indo. Bom dia”, se despediu do amigo Roberto de Oliveira, o cabo PM responsável pela segurança do local, e saiu passando pela pequena multidão que já se aglomerava no corredor do 6º andar daquele prédio situado no Setor Balneário Meia Ponte, e seguiu direto para o Cidade jardim, para a Delegacia de Investigações de Homicídio.
Pegou uma caneca grande de café, sentou em sua mesa e pegou todas as informações sobre a sequência de crimes que vem investigando há oito meses, e no qual a morte da jovem Letícia.
Doze vitimas nesse período. Todas jovens mulheres, bonitas, solteiras, estudantes ou recém-formadas. Quatro moravam com os pais, e foram mortas em quarto de motel, com registro feito no nome delas. As demais moravam sozinhas ou com amigas, e morreram em seus próprios quartos. Em comum o corte na garganta e nos pulsos, e o detalhe mais macabro, todas tiveram a vagina costurada com fio cirúrgico. Cinco pontos, amarrados bem apertados e sem cortar as sobras do fio. Como sujeira apenas o sangue das vítimas.
Outro ponto comum entre as vítimas, e que só foi descoberto mais tarde. Todas tinham romances secretos com homens casados. Mas isso não parecia ter nenhuma ligação com os crimes.
Desde o primeiro crime da série, Olavo Ribeiro, experiente investigador criminal assumiu o caso. Não imaginava que enfrentaria um serial killer.
Todos os especialistas forenses já se envolveram. De legistas a psiquiatra, todos tentando traçar o perfil do assassino. Nenhum avanço considerável até o momento. Uma coisa com a qual todos, inclusive a impressa e a comunidade é que se tratava de um doente psicopata. A essa altura a cidade já dava sinais de pânico, sobretudo os pais de jovens moças e as próprias, é claro.
Ribeiro não fazia outra coisa a não ser trabalhar no caso. Mesmo por que estava vivendo sozinho, depois de ter sido abandonado pela esposa, semanas antes do primeiro crime ocorrer. E, para suportar a dor da separação se dedicava ao trabalho quase vinte e quatro horas por dia, todos os dias. Não dormia direito. Não andava comendo direito. Um sorriso então, era coisa que não se via nele. Andava amargo. O Delegado, e o próprio secretário de segurança, já haviam decidido após concluir esse caso o detetive sairia de férias. Na verdade sairia antes disso, se o caso se arrastasse muito mais tempo.
Mas isso não lhe ocorria agora, precisa rever tudo. Estava perdendo alguma coisa. Não era possível que perderia para esse maníaco. A cada morte ele parecia se sentir culpado, por ainda não ter conseguido pegar quem estava matando essas mulheres.
A segunda morte aconteceu um mês após a primeira. Mas agora estavam acontecendo em menores intervalos. Era sexta-feira, e a ocorrência anterior havia sido na segunda-feira dessa mesma semana.
O Dia foi cheio. Entrevistas do comando da polícia. Do secretário de segurança. Até o governador foi à imprensa falar sobre o que estava sendo chamado de “O caso das costuradas”. O delegado reuniu com a equipe para repassar toda a preocupação e escalou mais alguns investigadores para auxiliar no caso. O Próprio Ribeiro foi procurado por vários repórteres dos telejornais locais para dar detalhes sobre as investigações e, principalmente, para responder a pergunta que todos faziam: “Quando essas mortes vão parar?”.
Não tinha resposta. Não tinha explicações que acalmasse, um pouco que fosse, a opinião pública.
Após o intervalo do almoço, tempo que passou ali mesmo na delegacia, tentando ler informações onde antes não tinha visto nada, o legista o chamou. Passou as mesmas informações que havia passado nas mortes anteriores.
“Ele morreu devido a hemorragia provocada pelos cortes, e teve a vulva costurada ainda viva, mas provavelmente não sentiu muita dor, pois ingeriu um forte anestésico. Deve ter bebido junto com alguma bebida, sem saber”.
“Nada novo? Nenhuma diferença mínima que seja? Um fio de cabelo, um pouco de pele debaixo da unha dela, que possa ser do culpado?”
“Nada, estava totalmente limpa, como todas as outras”.
Ribeiro, que já estava chateado, pareceu desiludir-se.
A Tarde percorreu nesse ritmo. Análises, tentativas, depoimentos. Mas nada que desse uma pequena pista que fosse.
“Como pode isso acontecer. Alguém entra no prédio, mata uma pessoa e ninguém viu nada. Não é possível”.
No final da tarde, Ribeiro foi para casa. Tinha úlceras provocadas pelo nervosismo e por não se alimentar. Não conseguia dormir, apesar de todo cansaço que sentia. Seu corpo quase não respondia mais aos poucos comandos do cérebro.
A ausência da esposa ficava cada vez mais presente em sua vida. Naquela casa então era insuportável. Ela estava presente em tudo ali. Mesmo quando tentava ver televisão, seu pensamento estava nela. Nos bons momentos que passaram. Ele nunca se perdoaria por ela tê-lo abandonado. Ela o amava, disso ela não tinha dúvidas. Mas, mesmo ele, concordava que o motivo que ela teve para ir embora era forte demais.
“Como pude ter sido tão idiota” era o que mais pensava nesses quase nove meses sozinho, ao lembrar que tudo estaria bem se ele não tivesse se deixado envolver por aquela jovem bonita e sedutora que lhe apareceu, em um dia comum de trabalho, e com quem passou a ter um tórrido romance que lhe parecia ser a melhor coisa do mundo. Mas sua esposa, a bela Clara, descobriu logo e, como ele já sabia, pois era o acordo que havia entre eles, não aceitou a traição, e sequer quis tentar refazer. Apenas foi embora.
Ele achou que ficaria bem, mas dias depois já percebia que a jovem aventureira não pretendia nada com ele além dos momentos de sexo que tinham. Quando ele propôs viverem juntos, ela também se afastou. Só aí ele percebeu a gravidade do que havia feito, e reconheceu, meio a contra gosto, a importância que Clara tinha em sua vida. Na verdade ela era a vida dele. Até mesma a alegria que levou aquela jovem a se interessar por ele, era responsabilidade dele.
“Por que certas pessoas não respeitam a felicidade dos casais, e se envolvem com um deles, provocando o fim de casamentos felizes?” era a pergunta que ele passou a se fazer. “Isso é muito errado, e quem age assim devia ser punido”.
Uma hora após chegar em casa ele ligou seu computador, entrou em uma sala de bate-papo procurando alguém com quem pudesse conversar. Logo estava com uma conversa picante com uma jovem que se identificou como Amante com Cara de Anjo. Conversaram quase meia hora, até trocarem telefone. Ela queria se encontrar com ele. Ele se apresentou de verdade, disse que queria muito também, apesar de ser casado. Ela não se importava com isso. Disso, inclusive, que seria uma ótima experiência transar com o famoso detetive.
Uma ligação rápida para acertar detalhes. Ela morava sozinha, e ele pediu para que ela não comentasse com ninguém, afinal era casado. Ela concordou.
Ele tomou um banho rápido, colocou uma roupa discreta, seu perfume favorito. Deixou a arma e o distintivo na mesa do quarto, pegou as algemas, fetiche da “... Cara de Anjo”, um pequeno frasco com líquido incolor, luvas cirúrgicas e uma agulha em meia lua, bastante utilizada, e saiu para seu encontro. Sabia que seria acordado no meio da madrugada novamente...
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