Alguns temas estão sempre na mídia. Um que sempre me interessou, pela preocupação que me causa, é a “questão da segurança pública”, incluindo aí o aumento da criminalidade juvenil, a banalização da violência, a forma truculenta que parte da nossa polícia (às vezes) age, a superlotação das cadeias e presídios, as medidas de punição e ressocialização e, mais recentemente, os casos de progressão de pena, concedidas a verdadeiros psicopatas.
Concordamos, creio, que a educação de nossas crianças tem relação direta com os temas citados acima. Não estou falando, apenas, da educação formal. Mas, principalmente, da relação familiar e a convivência que se tem em casa. E, claro, a forma como os pais, ou responsáveis, criam seus filhos.
Essa semana muito se falou sobre isso. Especialmente sobre a legitimidade, ou não, das conhecidas palmadas. Se é certo ou errado. Se deve ser coibida com a punição dos adultos que praticarem, ou não. Se um pai, ou mãe, que dá umas palmadas em seus filhos, deve ser denunciado e considerado agressor, ou não.
Bem, nosso presidente resolveu esse dilema para nós. Agora não restam mais dúvidas sobre isso. Dar palmada nos filhos é crime, e pronto.
Esse tema me interessa muito, pois quero estar inteirado de todos os avanços acerca dos métodos e formas de educação. Mas, como sempre, acho que apenas esperar, passivamente, para que as normas sejam definidas, não é muito legal. Se a aprovação de uma lei ou definição de um hábito social interferirá em nossas vidas, acho que devemos participar de todo processo. Mesmo agora, com o envio desse projeto de lei, pelo presidente, não podemos concordar que a aprovação que se dê de forma antidemocrática e não participativa.
Bom, eu comecei falando de dois temas e quero falar dos dois, ou ao menos. Na verdade quero tentar entender por que, quase nunca se abordam esses temas numa mesma roda de discussão?
Em uma mesa, educadores e psicólogos discutem com mães e pais a melhor forma de educar seus filhos. Em outra, secretários de segurança, comandantes das polícias, generais, juizes e deputados discutem o “problema da segurança pública no Brasil”. Mas abordam cada “tema” sempre de forma independente, como se uma coisa nada tivesse com a outra.
Sou de uma geração que cresceu recebendo, ou sabendo que poderia receber, umas palmadas sempre que “necessário”.
Nasci na década de 70 e cresci no interior. Por lá, naquele tempo (e lugar), não era crime os pais “educarem” os filhos com palmadas.
Seu Durvalino, meu pai, várias vezes fez uso desse instrumento disciplinar. Tá certo, eu não gostava muito, afinal doía. Mas não ficava (não fiquei) revoltado por isso. Dona Felisbina, minha mãe, uma “figuraça”, não tinha nada contra. Era, na verdade, favorável. Apesar de quase nunca me aplicar suas palmadas, por vezes, ela me puxava, literalmente, a orelha, pra me repreender de algum erro cometido.
Por ter vivido nesse mundo, não consegui, até este momento, achar criminosa a atitude de pais que agem como Seu Durvas agia.
Claro que não estou me referindo aos espancamentos doentios que alguns adultos submetem suas crianças. Nem às “surras”, grandes ou pequenas, desacompanhadas dos necessários esclarecimentos e, é claro, das justificativas de porque o pai está agindo de tal forma.
Sempre que meu pai era levado a me aplicar um “corretivo” mais severo, eu ficava sabendo que eu havia feito de errado, o que não poderia, ou não deveria, ter feito, e ainda tinha a memória refrescada sobre todas as advertências que havia recebido antes. De modo que eu entendia exatamente todo contexto e, de fato acredito que tudo que eles fizeram contribuiu positivamente pra minha formação.
Não estou falando isso pra justificar possíveis palmadas que eu pretenda aplicar, quando meus filhos nascerem.
De fato não pretendo.
Estou ciente que esse ato é reprovado por uma gama cada vez maior de pessoas, profissionais de várias áreas de atuação.
Em vários países já existem leis proibindo, e criminalizando essa atitude. O Uruguai é o exemplo mais próximo a nós, onde existe semelhante lei.
Além disso, várias campanhas são deflagradas por psicólogos, pedagogos e afins, que tentam conscientizar os pais e autoridades, sobre a ineficácia das palmadas e, mesmo, dos malefícios que elas podem causar em quem as sofre.
Enquanto essa discussão e seus avanços vão acontecendo lentamente, em outra faixa etária vai acontecendo outro movimento. Entre os jovens e adolescentes estamos assistindo os crescentes casos de violência, que vão desde desrespeito total à autoridade dos pais, até assassinatos desses mesmos pais, passando por espancamentos gratuitos, desrespeito a todas as leis e homicídios, alguns com requintes de crueldade, de fazer arrepiar o Dr. Hannibal Lecter. Tudo isso numa explícita falta de valores e, sobretudo, de limites.
Sei que existem os casos patológicos, que precisam ser tratados por profissionais de saúde. Mas, se observarmos bem vamos perceber que, de uns tempos pra cá, nossos jovens (nem todos, é claro) não aceitam alguns limites colocados por regras sociais e necessárias ao bom convívio e à harmonia, seja em casa (com a família), na escola, no trabalho, enfim, em sociedade.
Acho que cabe esclarecer que eu não sou psicólogo, pedagogo, ou sociólogo, não sou normalista, nem delegado, tampouco legislador. Na verdade, sou militante pelos direitos humanos e conheço um pouco o ECA.
Mas sou uma pessoa que passou por uma infância pobre, em uma casa simples, numa família humilde onde havia, sim, palmadas. E acho que me tornei um adulto mental e socialmente saudável.
Dentre as coisas saudáveis que gosto de fazer está o hábito observar o comportamento humano, ao menos até onde meus olhos alcançam e minha limitada compreensão pode digerir. E, é muito mais comum ver jovens “delinquentes” reclamarem não das palmadas, mas da ausência de seus pais.
O fato de os pais estarem cada vez mais longe de casa, e por isso dos filhos, causa muito mais distúrbios sociais do que a tão execrada palmada. Volto a frisar, não estou me referindo às agressões violentas, que nada tem de educativas ou corretivas, e que merecem mesmo ser combatidas (vejo alguns casos de espancamento de crianças por adultos covardes e doentes, que descarregam em alguém que não sabe, nem pode se defender, suas raivas e frustrações). Estou falando das palmadas bem dosadas, com o mínimo de força e o máximo de esclarecimento.
Como me apresentei, não sou um monte de coisas. Mas sou um cidadão que quer aprender a ser pai. E quero errar o mínimo possível nesse papel tão importante (talvez o mais importante que alguém desempenha nesse mundo).
Por isso quero me meter nessas discussões. Preciso entender o que está acontecendo em todas as áreas de interesse. Preciso saber o que posso, o que não devo, o que preciso e o que é desejável, já que estão me dizendo que algumas coisas que aprendi com meus pais não valem mais.
Sabe, sou meio egoísta com algumas coisas. Pouco me importa o que alguns vão dizer, o que quero garantir é a saúde (em todos os aspectos possíveis e imagináveis) de meus filhos e de todas as crianças que estiverem ao meu redor.
Por isso estou achando que devemos ampliar as rodas de debates.
Além de mim e dos demais pais, devem estar na mesma mesa as pessoas que discutem a proibição, ou não, das palmadas maternas, aquelas autoridades que discutem o sistema carcerário, os que definem o conteúdo dos cursos de formação de nossos policiais e quem quer a redução da idade penal.
Enfim, tudo que diz respeito à segurança e justiça, bem como os pensadores da educação, quem decidem quais cursos devam ser retirados ou inseridos no ensino básico e fundamental, os que formulam as políticas educacionais. Enfim, devemos nos sentar, pra discutir, todos os que podem, de alguma forma, impactar a vida de nossas crianças, seja em que faixa etária for.
Gostaria de saber, por exemplo, dos psicólogos que afirmam que as palmadas, além de não ajudarem na educação, ainda causam sérios traumas e distúrbios nas crianças, o que eles acham da forma violenta que, por vezes a polícia é levada a agir pra conter um jovem infrator?
Como um pai que não admite que seu filho receba nenhuma palmadinha da própria mãe, reagiria se um jovem entrasse em sua casa, a noite, de arma em punho, para roubar alguma coisa que ele tenha adquirido com esforço, ou não. Ameaçando sua vida e de seus familiares?
O que os partidários de um mundo sem palmadas dizem sobre esses jovens que queimam mendigos, espancam domésticas ou caçam gays? Como devem ser tratados os presos por homicídios ou estupradores?
Chega. Não estou fazendo um texto sobre horrores urbanos contemporâneos. Nem estou dizendo que concordo com o tratamento desumano que é oferecido à grande maioria dos presidiários. Tampouco concordo com a truculência policial (reconheço que às vezes ela é necessária...). Estou falando sobre causa e conseqüência. E quero refletir sobre o que realmente faz mal a nossa sociedade.
Quero poder discutir todas as conseqüências de minhas atitudes hoje, com as crianças. Não só as conseqüências imediatas, mas as que ficarão por toda vida. E qual o benefício, ou malefício, trará a abordagem de um tema na escola. Ou do treinamento embrutecedor que nossos policiais recebem. Ou da superlotação dos presídios ou mesmo, dos “bons” exemplos que nossas crianças têm recebido de todos que governam esse país.
Não se pode falar de palmadas dadas, ou proibidas agora, sem falar das porradas que receberemos pela vida, dependendo de como vivermos. E que, de algumas delas existem leis que tentam nos proteger. Sem esconder que, outras, as leis, ou quem tem o papel de fazer cumpri-las, coloca ainda mais força.
Essa discussão me lembrou o trecho de um livro muito lido nos anos 80.
Quem era jovem em 1980 certamente ouviu falar do Best Seller “Eu, Christiane F., treze anos, drogada, prostituída...”. É um livro que conta a fria realidade de uma época de reconstrução em um lugar consumido pela guerra e deslumbrado pelas promessas do capitalismo. Bem, quem não conhece, eu digo que ainda é uma leitura válida, apesar de já ter encontrado relatos bem mais duros e desumanos que a história da jovem CF.
Mas o que me veio à tona agora foi um pequeno trecho do livro. Pouco mais de treze linhas que, infelizmente, deve ter passado despercebido pela maioria das pessoas que o leram à época, e que não foi valorizado quando a obra virou filme. Mas que, em minha opinião, é um dos trechos mais importantes, senão o mais importante de todo livro. Refiro-me a quando a jovem protagonista narra um episódio que presenciou, envolvendo uma amiga. Quando estavam CF e a amiga Kessi, em uma estação do metrô, se drogando, a mãe de Kessi, que voltava do trabalho encontrou a filha dormindo em um banco, sob efeito do que tinha consumido. A mãe deu-lhe duas bofetadas, uma em cada face, e arrastou-a pelo braço, tal como fazia os policiais. Esse fato é narrado em menos de seis linhas. No parágrafo seguinte, que tem apenas cinco linhas, a jovem Christiane reconhece, explicitamente, que aquele par de bofetada salvou a vida da jovem Kessi. Claro que eles devem ter sido seguidos de uma série de medidas que mantiveram Kessi longe do mundo que matou sua amiga Babsi por overdose de heroína, com apenas 13 anos, e que quase matou a própria Christiane.
Mais adiante, no livro, CF emite o seguinte comentário: “A mãe de Kessi a impediu de afundar na merda...”
Particularmente eu acho que se a mãe da menina Kessi não admitisse as palmadas como forma de disciplina, a realidade teria sido outra.
Quando eu era criança meus pais não precisavam repetir muitas vezes pra eu entender que alguma coisa era errada. Se eu insistisse iria sofrer as consequências, e por vezes eu insistia, mas tinha plena consciência das penas que teria que suportar. Minha mãe não gostava muito de me fazer sofrer, quer privando de alguma coisa da qual gostava, ou me deixando com as orelhas doloridas. Eu sei que ela não gostava mesmo. Mas certamente ela preferia (e pode apostar que eu também) que, se eu fosse apanhar de alguém, que fosse dela, que colocava muito mais amor que força. Com o tempo eu entendi isso, e sou grato por cada palmada ou puxão de orelha.
Bem, isso é o que eu vivi e é o que eu tenho como certo e bom. Mas como disse, sou um aprendiz de pai, e estou aberto a novos ensinamentos. Agradeço todo convite para discutir o assunto, desde que não trate de apenas parte de um todo que é indivisível.
Que as futuras gerações tenham mais certezas que a nossa. E que as palmadas sejam banidas, não por decreto, mas por serem desnecessárias.
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