Abrir uma igreja hoje em dia é coisa simples. Se for uma nova denominação então não se gasta nada, e ainda tem um jacá de vantagens fiscais. Se for uma franquia deve ser um pouco mais complicado. Além de ter que dividir os lucros com os detentores da marca.
Sim, eu usei os termos “franquia” e “lucros”, isso pra deixar claro minha compreensão de que hoje é disso (e somente disso) que se trata. Igrejas (e religiões) agora são apenas negócios. E com cerca de R$ 500,00 e pouca burocracia, qualquer um pode ter o registro de uma denominação religiosa, com poderes para nomear pastores, bispos e tudo mais. Se esse meu aperto continuar, acho que vou abrir uma, com meu nome acho que farei sucesso.
Mas esse texto não é sobre facilidades pra se abrir uma empresa do ramo imobiliário celeste. E sim sobre as dificuldades que existia para se abrir uma capelinha, nos tempos do monopólio da empresa-estado multinacional romana.
Dona Pequena, uma supersimpática senhora baiana, que vive há muito tempo em Mineiros, lá pra bandas de onde nasce o rio Araguaia, no extremo sudoeste goiano, conta que, quando era moça-donzela, ainda vivendo em pleno sertão caatingueiro, em um pequeno povoado, a comunidade cismou que já estava merecendo uma capela, já que a crença é uma das características mais marcantes do povo nordestino, sobretudo do pobre povo sofrido do sertão.
Convenceram o vigário, que vinha duas vezes por mês celebrar no velarejo, que convenceu o pároco, que obteve autorização do bispo. Tudo feito direitinho, respeitando a hierarquia e seguindo os ritos.
Todo mundo acordado, danaram a fazer festas, leilões e quermesses para arrecadar os fundos necessários. Claro, contaram com a farturenta contribuição do “Corené” da região.
Em pouco tempo o montante já havia sido levantado, e a obra foi iniciada. Serviço voluntário (doação para o erguimento da casa do Senhor). Trabalho feito em ritmo de mutirão, sempre seguido de arrastapé, comilança e bebelança (e algumas vezes por confusão causada por bêbados ou mulher enrredeira).
Em breve a capela estava pronta. Era pequena, mas havia ficado uma beleza. Sino de bronze na torre, relógio e uma imponente cruz de madeira.
Toda comunidade se alegrou. Algumas senhoras se emocionaram, as mocinhas se animaram com a possibilidade de poderem se casar ali mesmo, no próprio povoado. Já alguns senhores não gostavam muito da idéia de que agora teriam que pagar, digo, darem o “ofertório” toda semana, ou mesmo, todos os dias, já as crianças brincavam dizendo que a torre da igreja (apenas um pouco mais alto que o abacateiro da dona Rosinete) estava fazendo sobra no povoado vizinho. Enfim, a felicidade era geral.
Depois de tudo pronto, todos se “arreuniram” para decidir a melhor data para a inauguração. Afinal queriam todas as autoridades presentes na importante cerimônia. Principalmente o bispo.
Marcaram para a o terceiro domingo daquele mês de agosto do ano cristão de 1949. Se a memória da dona Pequena não falha, ela acha que era dia 20, ou 21. A reunião estava chegando ao fim, quando alguém resolveu fazer a pergunta que quase gerou uma tragédia.
É que com tanta animação pela construção da igreja, ninguém havia atentado para o fato de não terem definido qual seria o padroeiro, ou padroeira (por que no ramo das coisas da igreja esse negócio de gênero sempre foi muito claro).
Quando o seu Joaquim da Bina perguntou qual seria o santo da capela, foi aquele falatório. Começou baixo e até comportado. Mas como uns diziam “Santa Luzia”, outros “São João” (as crianças preferiam este por conta da festa que teriam em junho), as moças se adiantaram a defender “Santo Antônio”, por motivos óbvios.
Logo os ânimos estavam exaltados. De longe se ouvia gritos de “Nossa Senhora do Bom Parto”, “Nossa Senhora de Fátima”, “São Bento”, “São Cristovam”, “Nosso Padim Padre Cícero”. Até São Lampião foi dito por alguém. Quando a coisa ia saindo do controle, foi preciso que o cabo Aniceto (maior representante da lei existente na cidade) sacasse sua garrucha e disparasse um tiro paro o alto.
Todos pararam assustados. O Coronel, que havia ordenado ao cabo que tomasse a providencia destumultuante, encerrou a reunião, dizendo que a escolha do santo ficaria pra uma outra hora.
Todos saíram a contragosto, e foram pra suas casas resmungando.
Duas semanas depois, na venda do Chico do Tião, que ficava no povoado vizinho alguns moradores indagavam ao cabo Aniceto sobre a demora pra inaugurar a capela que eles tinham construído, alguns querendo mangar um pouco mais chegavam a colocar em dúvida a construção da tal capela, no que teve como resposta, em tom muito descorçoado: “a igreja ‘nois’ tem, o diabo é o santo”.
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