Uma volta por Goiânia e vejo reforçar a idéia que tenho de que somos altamente irracionais.
Sei que isso vai parecer, inicialmente, contraditório ao que eu mesmo escrevi dias atrás. Mas olhe bem e vai perceber que não é.
Falei da enorme capacidade em alterar o mundo ao nosso redor. Capacidade que convive com enorme incapacidade em mudar nosso mundo interior.
O tema de agora é essa nossa incapacidade de romper com o que está estabelecido. Temos enorme resistência em aceitar o novo. Mas aceitamos, quando ele se nos apresenta. O grande problema é que quase não o vemos, afinal temos um “campo de visão” muitíssimo limitado.
Tomemos alguns exemplos próximos.
Atravessamos uma enorme crise financeira. O mundo todo sofreu com ela, e ainda sofre. Felizmente os governos, indústrias, bancos e comércio noticiam que ela, a crise, já é coisa do passado.
Mas, e daí? De que nos serviu essa crise? A mim assustou o fato de que toda alternativa que vi sendo apresentadas para minimizar seus efeitos, ou mesmo como possíveis saídas definitivas, se limitava a tentar corrigir as falhas do sistema em vigor.
Não ouvi, li ou vi alguma manifestação que apontasse para algo realmente novo. Uma proposta que rompesse com esse capitalismo que domina todas as nações e que, mesmo quando tudo vai muito bem, é desumano, afinal promove o alargamento das diferenças entre ricos e pobres (sejam pessoas, países, companhias, famílias, escolas, bairros, blocos carnavalescos ou times de futebol).
Mesmo entre pessoas e organizações que se reúnem com o objetivo de questionar esse modelo, as saídas apontadas para a crise, não conseguiam romper esse horizonte em que vivemos.
Chego a imaginar que não deve existir nada, além da barreira que somos programados para aceitar como limite intransponível.
Estou relutante em acreditar que nossa criatividade e ousadia já tenham se esgotado. Não, eu também não tenho uma sugestão que aponte para alguma luz além do ocaso desse sistema que não se questiona. Mas ao menos estou me permitindo ficar incomodado com toda essa aceitação, tão passiva, de que essa realidade não se pode mudar. E espero que em algum lugar alguém esteja elaborando alguma coisa que se pareça com um “mapa para a terra prometida”. E não estou falando de nada semelhante às ditaduras proletárias que fez de conta que pretendia mudar o mundo, mas que não apresentaram nada que fosse verdadeiramente novo.
E mesmo já tendo dito que não tenho sugestões, fico imaginando que poderíamos ter aproveitado essa crise para fortalecer idéias como a o bom e velho “cooperativismo”, ou coisas mais novas, e até mais simples, como o que se convencionou chamar de “economia solidária” (e, reforço que para ser solidária, essa economia deve privilegiar a solidariedade em todos os estágios, ou seja, “extração solidária”, “produção solidária”, “distribuição solidária” e “consumo solidário”). Sem nos esquecer de sermos solidários com todas as formas de vida que habitam esse planeta, que é nossa única casa. Mas isso não aconteceu.
Ao contrário, as indústrias, governos e todo mundo cujos palpites têm força de formador de opinião, trataram de incentivar o consumo. Era a melhor saída: reaquecer a economia. E mesmo agora, que a crise já era, o negócio é continuar comprando para que a economia volte a crescer.
E um problema foi resolvido com o agravamento de vários outros. E é isso que me remete ao que me motivou a falar sobre isso. Aquela minha volta por Goiânia.
Ao menos no Brasil um dos mercados mais incentivado é o de automóveis. E aqui, em Goiânia tenho a sensação que é o ponto mais fervilhante desse incentivo. Em toda canto da cidade tem uma revenda com promoções sensacionais. “Juros baixos”, “parcelamento a longuíssimo prazo”, “entrada super facilitada”. Enfim so não compra carro que não quer. É isso que dizem alguns anúncios. O que colabora para derrubar ainda mais a autoestima de grande parcela da população, que até quer, mas não pode, apesar de todas “facilidades”. E, essas facilidades todas podem, quem sabe (e eu ando acreditando nisso), estar criando uma “bolha” semelhante àquela que desencadeou a dita crise. Mas isso não é coisa que eu possa me meter em analisar. Afinal não sou economista, assistente social, analista de mercado nem empolgado estudante de algum curso MBA com receitas de como salvar o mundo.
O que me permito é sentir a dificuldade que já é circular pela cidade. A quantidade de carros é tão grande, que as ruas e avenidas já não comportam. Poderíamos ignorar o fato de isso representar sérias agressões ao meio ambiente. Não é o caso, mas apenas agora não quero levar em conta o acumulo de gazes na atmosfera devido à queima de todo combustível necessário para movimentar essa frota toda. Nem dos impactos causados para produzir esses combustíveis (seja derivado do petróleo, ou derivado de vegetais oleaginosos), ainda que todos fossem elétricos, seria necessário produzir energia elétrica, e não conheço formas de geração de eletricidade que seja totalmente “limpa”.
Mas não vamos falar sobre isso. O foco aqui é apenas a “questão” espacial. Às vezes, quando ouço alguns especialistas falarem que precisamos fazer a economia, e os países, voltarem a crescer, tenho a impressão que eles acreditam que os países realmente crescerão. Falo dos territórios, dos continentes, o planeta enfim. Será que acreditam que o planeta crescerá? Pois é so acreditando nisso que se pode imaginar que ao produzir cada vez mais carros sempre teremos onde construir mais ruas, avenidas e autoestradas. E sempre teremos, também, onde construir locais para depositar as sucatas geradas pelos descartes cada vez mais cedo. Afinal precisamos consumir, para aquecer a economia. (parênteses para dizer que foram os carros de Goiânia que provocaram essa divagação, por isso toda citação a eles. Mas isso vale para todas as novidades tecnológicas, tão impensadamente necessárias a todos nós, em nossos dias).
Acabei de me lembrar de um fato que foi motivo de muito riso. Tempos atrás, morando em Mineiros e participando de um desses grupos de jovens da igreja católica, no caso a JUBES – Jovens Unidos Buscando o Espírito Santo (acho que é isso mesmo). Estávamos programando um retiro para o período de carnaval. A coordenadora do evento já tinha quase tudo pronto, mas algumas pessoas desistiram de participar. Acontece que a coordenadora já tinha elaborado a lista de mantimentos que seria necessário para o número “X” de pessoas, pelo período em questão. Na desistência de alguns, ela se viu com um grande problema nas mãos, e compartilhou com o grupo, para que pudéssemos ajudar a encontrar uma saída. Ela precisava encontrar mais pessoas para irem ao retiro, para que as contribuições fossem suficientes para comprar a lista previamente elaborada. Levou certo tempo, e muitas caçoadas até ele se dar conta que seria mais simples refazer a lista de mantimentos, para adequar ao número de pessoas confirmadas.
No que diz respeito à necessidade de aquecer a economia, vejo que todos nós, sobretudo os “tomadores de decisão” estão com a mesma crise que minha amiga Ione. Em breve vamos precisar providenciar outro planeta onde poderemos construir estradas, avenidas e estacionamentos para suportar todos os carros que precisamos comprar, para que “todos os países voltem a crescer”.
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Olhando agora, esse texto me soa muito hipócrita. E é duro assumir que essa hipocrisia é verdadeira. Afinal os caras do marketing são muito bons, e eu tenho sim, essa vontade incontrolável de ter meu próprio carro. Mas estou me esforçando para que minha rotina diária tenha, normalmente, muito mais caminhadas, pedaladas e utilização de transporte coletivo de massa (claro, as coisas precisam melhorar muito nesse campo)...
sem dúvida
ResponderExcluira nossa história, incluído a a sucessivas crises econômicas e de toda sorte, são uma sucessão de remendos num velho barco. Nele estão todos nós, o mundo que evolui mas não muda.
Isso limita não só nossa visão, mas nossa capacidade de pensar o novo.
Assim, invariavelmente, nos damos conta das coisas tarde demais, quase sempre.
E quase sempre, ao chegar à meia idade, todo indivíduo sonha com a possibilidade de voltar no tempo e fazer tudo diferente. Já que os padrões estabelecem oportunidades conforme a faixa etária.