10 de dez. de 2021

Uma chave

               Como sabem, cá estou eu, em processo de reconstrução. Tentando me reencontrar após praticamente dois anos muito difíceis e o fim de mais uma relação.

Voltei para Goiânia. Voltei perdido, muito perdido. Ainda estou. Mas vou me reencontrando um pouco a cada dia, a cada momento com os velhos amigos e com os novos que vão surgindo aos poucos. Também a cada nova sessão de terapia, a cada lágrima que ainda insiste em cair, às vezes.

Foi um fim. E todo fim é sempre complicado e por vezes dolorido. Esse último foi o mais dolorido até aqui. Por vários motivos.

Sei que em algum momento a dor dará lugar à outros sentimentos e, em seu lugar ficarão lembranças, boas e ruins e algumas lições (eu espero). Até lá, percorro o caminho do reencontro e da reconstrução.

Já atravessei esse trecho antes. Tenho boa noção do que o caminho me oferece. Sei que dói, mas escolho viver o mais intensamente esse percurso.

Estou morando sozinho. Já consegui refazer alguns dos laços de antes de me mudar para o interior. E já encontrei novas companhias de jornada. Algumas bem saudáveis, outras tão ou mais feridas quanto eu estou. Mas todas me são apoio. Amizades sempre são. Tenho uma nova gata, carinhosa e carente, que me faz companhia quando estou em casa. Mas, moro sozinho. Não estou dividindo a casa com nenhum outro humano.

E, em alguns momentos, isso potencializa a força da solidão, realçando a forte presença das novas ausências. E, para mim, momentos de arrumação da casa são especialmente doloridos. Minha mente sempre dá um jeito de ficar comparando como estou fazendo isso agora, com como “nós fazíamos” antes. E isso dói. Sinto saudade. Quero compartilhar, discutir sobre onde cada coisa deve ficar. Discordar, aceitar...

Ontem pela manhã foi um desses dias. Precisei reorganizar a cozinha para organizar melhor minha produção de donuts (essa é umas coisas boas que eu trouxe na velha mochila). Enquanto empurrava, sozinho, a geladeira, minha pequena mesa de vidro e um armário, novamente essa saudade bateu mais aguda. Como sempre um turbilhão de lembranças me vindo à mente. Cenas de tantos momentos alegres, outros nem tanto, mas compartilhados, portanto, felizes, passando em minha cabeça. Novamente o nó, o amargo, a lágrima. Sentimento de falta, de frustração, de angústia, de fracasso...

Porém, dessa vez uma coisa foi diferente e pode ter mudado para sempre minha vida ou, no mínimo, os momentos. É que, não sei bem por qual motivo, eu prestei mais atenção nas imagens projetadas em minha mente, e das quais eu sinto tanta saudade. E, ao fazer isso, uma chave foi acionada aqui dentro. Eu percebi que minhas lágrimas não são apenas por meu último casamento. E nem o tem como motivação, e sim, apenas o fim de relacionamentos com namoradas/esposas. O que me dói, o que verdadeiramente me dói, e a saudade de mim mesmo. De todas as sensações e sentimentos que eu experimentei em todos os momentos em que eu acreditei que uma dimensão da minha vida estivesse resolvida. Exatamente essa dimensão que, normalmente está relacionada com a presença de uma pessoa com quem se divide a vida, mas não necessariamente depende da existência da “alma gêmea”. Que é a dimensão que engloba a estabilidade doméstica. De moradia e agenda ligada à casa. Está ligado muito mais diretamente ligada à existência de um lar, sendo ele compartilhado, ou não, com um cônjuge.

Por isso sinto saudade de quando me mudei pra casa da Cohacol, lá em Mineiros, quando pela primeira vez, passei a ter um lugar que era meu. Na maior parte do tempo eu não tinha namorada. Mas tinha minha casa, onde me sentia seguro, livre, confortável, pleno. A casa estava sempre cheia de amigos. Era perfeito. Minha vida estava resolvida. Durou menos de 3 anos e eu precisei ir embora. Foi uma opção minha, desfazer aquele mundo perfeito. Apenas precisei partir.

Quando me mudei para a velha casa 266 da Rua 239, aqui mesmo, no setor Universitário, após alguns meses em outro endereço onde não me sentia tão bem, também me trouxe a sensação de que as coisas estavam resolvidas. E foram 10 anos felizes, com alguns momentos de menor alegria.

E teve a subida ao altar, no início de 2008, iniciando um período curto dessa segurança, Casamento que durou pouco, até começarmos a descobrir as diferenças e não sermos capazes de nos adequar.

Depois a relação intensa com a moça que foi comigo para o interior, mas que precisou voltar. Não teve briga, não teve decepções nem comportamento sacana de nenhum de nós. Apenas a relação chegou ao fim e ela precisava partir de lá. Doeu, claro, mas era fácil entender e aceitar o fim.

Em seguida, em meio à turbulência que estava minha vida, pela partida daquela companheira, chegou a face mais presente em minhas saudades. Teve certa intensidade. Foi bom. Trouxe a segurança e a paz que tanto me agrada. Novamente acreditei que minha vida estivesse resolvida. Mas, dessa vez só eu vivi a história dessa maneira. Mesmo assim, até que durou e acabou de forma dolorosa e um tanto desagradável. Mas foi certeza para mim, então sinto falta. Sinto saudade e, apesar de tudo, sinto que tenha terminado.

Em todos esses momentos esteve presente minha felicidade e alegria em acreditar que essa dimensão da minha vida estivesse resolvida, seja com uma companheira ou sozinho, mas com um lar.

Gosto de me sentir em casa. Gosto de ter a segurança de ter um porto seguro. Sim, gosto de sair, de viajar, de ir. Mas gosto disso especialmente por ter pra onde voltar. Ter a segurança de saber que, quando a aventura não for mais divertida, ou o trabalho for concluído, existe uma porta que se abre com minha chave e esse lugar está sempre pronto a me acolher. É disso que sempre senti falta, saudade.

Gosto das pessoas? Claro. Amo/amei cada mulher que esteve ao meu lado, ao longo dessa minha vida simples? Pode apostar que sim. E sigo amando cada uma, de maneira carinhosa e saudável. E sim, sinto saudade dos bons momentos que passei com cada uma. Mas o que percebi ontem é que nunca foi exatamente isso que me tira lágrimas. Minhas ex-companheiras estão em lugar seguro, dentro de mim, de maneira a continuarem me ensinando as lições de cada etapa, mas sem me ferir, nem ser ferida por mim.

Mas a sensação de LAR, que construí com cada uma, e que não existe mais, é o que me dói. Assim como a mesma sensação que criei sozinho, em alguns momentos.

E perceber isso é libertador. Me liberta da mulher que empresta o rosto aos meus momentos de solidão e angústia, nesse momento. Pois o que eu realmente busco não é ela. É o ambiente, a atmosfera que criamos, no caso da última relação, que eu acreditei, sozinho, que existia.

Essa percepção também liberta a pessoa, pois me leva a liberá-la de toda responsabilidade e culpa pela dor que eu possa estar sentindo.

Entendo as mudanças. Gosto da perenidade da inconstância que a vida é, e precisa ser. Mas também gosto de algumas certezas e seguranças. É importante ter pra onde voltar. Ter alguém esperando dá um conforto extra, que torna a vida bem melhor. Mas a vida sempre encontra alguma encruzilhada e muda as histórias. Nos faz querer ir, ou ter que ir mesmo sem vontade. Por vezes, temos que deixar o porto e navegar em águas turbulentas, ou com extrema calmaria, quase sempre parcialmente desconhecidas e, quando não há porto pra onde se pode voltar e atracar, qualquer navegante se sente perdido, à deriva.

O problema de hoje não é estar sozinho na casa em que estou. É não ter, ainda, construído a atmosfera de lar. Ainda não me sinto completamente em casa aqui e, até que isso aconteça, vou continuar sentindo essa saudade que usa rosto, perfume, textura de pele e tom de voz, para me enganar, pois, na verdade, sinto saudades de mim mesmo, dos momentos em que soube, ou acreditei, que eu tinha um LAR.

Goiânia, 08/12/2021

Naza

Poeta/escritor, apaixonado

Ferido em recuperação

Um comentário:

  1. Uau, que texto lindo, profundo e verdadeiro, cheio de consciência e auto aceitação. Me reconheci muito nele. Obrigado por compartilhar.

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