“Ah, mas nem todo homem”
Ao
se deparar com essa corriqueira afirmar, uma amiga questionou: “Se nem todos,
quantos?”
Então,
minha cara, sinto muito em afirmar, mas não há exceções. Somos todos, como
vocês costumam dizer, “machos escrotos”. Todos nós. E é sobre isso que estou
sentindo necessidade de conversar um pouco.
O
principal motivo da minha necessidade, foi o recente caso de acusação de
assédio do Silvio de Almeida, e as várias manifestações que chegaram até mim,
de pessoas simpáticas ao trabalho prévio dele e pessoas que sempre foram
contrárias a todo trabalho que envolva a defesa dos direitos humanos, em
especial a defesa dos grupos minorizados.
Os
comentários mais “problematizadores” pra mim, vieram de colegas que sempre se
posicionaram não apenas simpático, mas como militante nas lutas por afirmação e
empoderamento dos grupos historicamente marginalizados, explorados e/ou são
vítimas de toda sorte de abuso, objetificação e extermínio. E, alguns desses comentários
lamentavam o fato de essa acusação iria jogar por terra toda história de luta
que vem sendo travada há décadas.
Entendam
que os comentários não se limitavam às lutas do Sílvio Almeida, mas todas as
lutas, de todos os grupos. E certamente os inimigos dos direitos humanos e da
ideia de ampliação da democracia e dos direitos, certamente tentaram usar esse
fato para sim, deslegitimar todas as lutas.
Mas
essa generalização irrestrita é justa e honesta?
Em
minha opinião não é. Na verdade nem pode ser chamada de ingênua. É desonesta,
criminosa ou burra.
Dos
fascistas que emergiram do submundo nos últimos anos, não se pode esperar muito
além de comportamento desonesto e criminoso. Mas dos colegas da esquerda,
espero mais que pensamento imediatista e burro. Espero inteligência em olhar para
o mundo e reconhecê-lo, e se reconhecer nele.
Nenhuma
bandeira foi enfraquecida. Nenhuma conquista nos será retirada, pelo vacilo do
Silvio. Não deslegitimo nem os avanços conquistados com e devido ao trabalho do
próprio Silvio de Almeida. A sociedade está avançando, e não podemos nos dar ao
luxo de permitir retrocessos devido ao tropeço de ninguém.
E,
preciso afirmar que, ao chamar de “vacilo” e “tropeço”, não estou relativizando
ou minimizando nenhum comportamento abusivo. Pelo contrário, espero que haja
profunda investigação e, sendo culpado, que o ex-ministro seja severamente
punido, dentro do previsto nas leis. Essa deve ser a posição de todo mundo que
se diz defensor dos direitos.
Mas,
nesse ponto preciso retomar o inicio dessa conversa, esperando conseguir
esclarecer meu ponto. Vejam que eu afirmei que somos todos “machos escrotos”, e
não retiro nem amenizo essa afirmação. Somos mesmo.
E somos
não apenas machistas, mas somos racistas, preconceituosos, homofóbicos,
misóginos e tudo mais que tentamos combater. Mas, observem, estamos tentando
combater. Existe, em uma parte da sociedade, uma vontade e um esforço para
evoluir. E estamos sim, avançando. A jornada, entretanto, é muito mais longa do
que podemos enxergar, e o tempo para expurgar nossas impurezas históricas não
pode ser medido em décadas. Importante, porém, não perdemos de vistas os
pequenos avanços e reconhecer os esforços, de todos que os dispendem.
Eu
sou homem, branco, cisgênero, hétero e nasci em uma nação cristã. Fora o fato
de nunca ter tido dinheiro, eu me incluo no padrão de humano historicamente
tido como “normal”. Sou, então, privilegiado.
Nunca
fui mulher, a menos que considere alguns conceitos metafísicos, coisa que
prefiro não fazer agora. Então, por mais que eu siga em meu esforço para ser um
homem melhor a cada dia, nunca saberei os medos, aflições, prazeres e
perrengues, que as mulheres passam. Procuro me informar por elas (gratidão à
mulheres como Cláudia Campolina, e seu “Mundo invertido”, por contribuírem
diariamente para a ampliação das minhas percepções). Mas sentir, de verdade, a
dureza da vida feminina em uma sociedade construída para ser machista e
misógina, eu nunca poderei. Da mesma forma não tenho a pele preta, nem sinto
atração por uma pessoa que nasceu com o mesmo gênero que eu.
Me
simpatizo por todas as causas e suas lutas. Mas sigo sendo um homem branco, cisgênero, hétero que nasceu em uma nação cristã. E estrutura social ainda
segue em seu esforço de me formar machista, racista, e tudo mais.
Silvio
de Almeida é preto. Ele vive a condição de preto no Brasil. Essa luta, para ele
é muito mais que legítima. E ser ativista por uma causa, nos aproxima de todas
as outras, na medida que reconhecemos todas as limitações que ainda temos. A
sua participação, em todas as outras causas, também foi legítima. Apesar de ele
ainda ser homem, formado em uma estrutura machista.
Encontramos
muitos homens buscando se “desconstruir”, e esse deve ser um esforço constante,
se realmente se deseja conseguir. No entanto, desconstruir é apenas metade da
tarefa, uma vez que se trata de esvaziar-se. Depois será necessário nos
reconstruir, nos fazendo cheios das características que o novo homem deverá
ter. O grande problema é que estamos apenas no início da desconstrução e não
fazemos muita ideia sobre o que deveremos incluir, em nossa reconstrução.
Nesse
tempo, seguiremos sendo, todos nós, sem exceção nenhuma, “machos escrotos” e,
quando militamos na defesa dos direitos e levantamos bandeiras, somos também
“esquerdomacho” em algum grau. Por mais que haja esforço e vigilância
permanentes, para conter ímpetos originados em conceitos estruturantes que
ainda não foram desconstruídos.
Esse
é meu lugar de fala, como está na moda dizer. O lugar de quem acredita que
podemos todos evoluirmos e, um dia, chegarmos a ser a sociedade utópica com a
qual sonhamos e pela qual tanto suor e sangue já se derramou. E, se não vivo
todas as dores, que minha simpatia seja considerada e me dê o direito de me
posicionar, como estou fazendo aqui, como sempre fiz e como Silvio de Almeida
fez. E, se eu errar, posto que sou imperfeito e falível, que eu seja punido.
Mas que meu erro não apague as pequenas contribuições que, por ventura, eu
tenha dado à todas as lutas. Nem que as verdades que já disse sejam
sumariamente esquecidas, quando eu disser alguma tolice.
“Espero
ter ajudado”
Nazareno
Goiânia,
14/09/2024