23 de out. de 2021

O desconforto masculino ao cruzar com mulheres.

 

Enquanto voltava pra casa, ontem a noite, de um bar aqui perto, onde fui comer alguma coisa, fui obrigado a cruzar com uma mulher, acho que bonita. Acho que jovem. Acho que morena. Não posso afirmar nada disso com certeza, pois não pude observar. Tive que apresar o passo e me distanciar o máximo que pude.

Novamente o constrangimento e o enorme desconforto, que me tem acometido com frequência, sempre que uma mulher passa por mim.

Para que todos saibam, sou homem, branco, hétero e cristão. E a cada dia tenho sentido mais constrangimento e desconforto ao cruzar com mulheres.

Isso já acontece faz um tempo. Mas vem se agravando.

Sim, isso parece mesmo mais um “mi mi mi” de alguém que pertence à maioria socialmente aceita. E pode ser sim. Mas, o fato é que está cada vez mais difícil conviver com mulheres, em ambientes públicos ou privados, a menos que as mulheres em questão sejam conhecidas e você seja um homem confiável.

Posso ter acabado de denunciar o real teor da minha aflição. Mesmo assim, me permita expor, de forma explícita e completa.

Vejam, eu sou um cara normal. Não sou tão feio, que cause pavor devido minha aparência. Também não sou tão lindo, que gere furor e assédio, por parte das mulheres. Então nenhum desses é o motivo do meu desconforto ao cruzar na rua com mulheres.

O que me deixa desconcertado é ver no rosto, no jeito de andar e em toda atmosfera próxima, o medo que eles sentem, pelo simples fato de eu ser homem, ou por elas serem mulheres.

Como disse, percebo isso faz um tempo. Mas ao retornar para Goiânia, após alguns anos no interior, e tendo que caminhar pelas ruas da cidade, com vários pontos mais escuros, com pouca ou nenhuma luz e, inevitavelmente, cruzar com algumas mulheres em vários momentos, esse sentimento, nelas, passou a ser mais perceptível para mim.

Elas sentem medo. Elas ficam assustadas. Elas querem passar logo, se distanciarem o mais rápido possível. Chegar em segurança ao próximo ponto com luz. Ao próximo local com mais pessoas. Em casa.

Não, meus amigos, a culpa não é delas. Elas estão assustadas assim, com razão. Por culpa nossa. Nós homens, em especial nós, héteros, brancos, cristãos e aparentemente “gente boa”, fizemos com que a situação chegasse onde chegou.

Elas, as mulheres, estão com medo de serem agredidas, de serem estupradas, de serem espancadas e assassinadas, só pelo simples fato de serem mulheres. E esse medo tem base muito sólida em todas as estatísticas de violência contra mulher que é feita e publicada.

Sou poeta, faz parte de mim gostar de observar pessoas. Gente de todas as classes, cores, credos, alturas, matizes, gêneros e tudo mais. E, claro, também gosto de admirar as diversas belezas possíveis nas mulheres. Mas isso não é mais tão possível, pois minha observação pode significar uma análise para futuro ataque. Para um estupro ou outra forma de violência que nem consigo imaginar.

Eu sei quem sou. Mas elas não sabem. E, mesmo quem convive minimamente comigo, que segurança pode ter, de que não sou um psicopata?

Quero poder voltar andar livremente pelas ruas da cidade. Mas, para isso, é preciso que, antes, as mulheres possam fazer isso também, a hora que quiserem, com a roupa que se sentirem mais confortável, portando a bíblia cristã ou um título da Anaïs Nin...

Isso se dará, basicamente, com uma grande mudança na forma de educar/formar nossos meninos. Sei que nos últimos tempos, algumas mulheres vêm se dedicando à tarefa de transformar seus filhos em homens que saibam reconhecer seu verdadeiro lugar, respeitar as diferenças e, especialmente, respeitar as mulheres como seres independentes, livres e senhoras do próprio destino. Mas, quando eu era criança, o comum era as mulheres da época se esforçarem para fazer de mim, e dos outros garotos, verdadeiros garanhões, grandes pegadores.

Citei as mulheres, no papel de educadoras, no parágrafo acima, pois elas são as vítimas da formação machista que elas mesmas nos incutiam. Claro que os homens tem grande parcela de culpa na formação das crianças. Mas, se ainda não conseguimos curar a nós mesmos, esperar que sejamos capazes de gerar outros homens saudáveis, é esperar um pouco demais de nós. Ao menos das gerações que estão no papel de educadoras nesses dias. Mas, claro, precisamos evoluir pra isso.

Claro que temos pequenas e isoladas ilhas de bom senso e verdadeira maturidade, entre os homens contemporâneos. Não pretendo aqui desmerecer o esforço que alguns homens maravilhosos tem feito para a criação de um mundo melhor. Mas esses ainda são uma minoria tímida e, quase imperceptível.

Meu constrangimento, por força, vai me educando um pouco mais a cada encontro desconfortante. Eu sigo esperando ter a confiança de todas as pessoas que passarem por mim. Mas reconheço que, especialmente, para elas, o medo e a desconfiança ainda é sim, a melhor saída.