Por favor, não se aborreçam comigo.
Não é por não querer. Na verdade eu não quero mesmo. Mas esse não e o motivo. Os motivos são outros, e são assim mesmo, plurais.
Então posso dizer que não posso. É isso, isso mesmo! Eu não posso. Só por isso, e também por não querer, é que não vou contar o que todos estão querendo saber.
Ora, eu tive sorte, ou grande azar, de estar lá quando tudo aconteceu.
Não participei de nada.
Bem, eu estava lá, então pode não caber a afirmação de que não tenha participado. Mas não fui um participante ativo. Apenas assisti.
E confesso que em alguns momentos eu preferi desviar os olhos, tentar ouvir outros sons. Abstrair, se é que me entende.
Você sabe, algumas coisas são constrangedoras, não é verdade? Já outras são envolventes demais, que se você não for firme, se envolve fácil.
E, como já disse, eu não participei ativamente de tudo. Ou seja, não fiz nada. Apenas estava lá. Pensando bem, e depois que tudo virou pretérito, acho mesmo que eu era o cara mais certo para estar naquele lugar errado. Ainda mais naquela hora tão certamente errada também.
Vocês não fazem idéia de como essas lembranças me corroem.
Não consigo me livrar delas um segundo sequer.
E sempre esse sentimento paradoxal que me acomete. Um misto de alegria e tristeza. Por ter estado lá, e por não ter participado (ativamente, que fique bem claro). Claro, não necessariamente, e mesmo nem sempre, nessa ordem.
Eu nunca teria revelado que estive lá.
Na verdade eu nunca disse, até esse momento. Quem deixou escapar algo sobre minha presença, foi ...
Não. Não posso dizer quem foi. Se você não sabe. Não saberá. E acredite, é melhor pra você, que seja assim.
Veja, por exemplo, o que minha vida se tornou. Um inferno. Agora não tenho mais sossego. Depois que ficaram sabendo que eu posso saber de como tudo aconteceu, todo mundo vem me perguntar. É toda sorte de fofoqueiro, jornalista (desculpa a redundância), as pessoas da rádio local (estou redundando a redundância, vou tentar evitar), o delegado, o dono do açougue, a moça da venda, o bêbado chato, a professora do bairro, até o vigário veio me perguntar sobre os detalhes, durante a confissão. Isso sem falar na polícia, que ameaçou me prender, se eu não contasse.
Como já disse, não posso.
Só digo que não vou dizer nada.
Espero sim, que não se aborreçam comigo. E entendam, eu não posso. Não posso e não quero contar nada sobre esse fato que vocês acreditam que eu sei. Se eu estive lá, então eu sei de fato. Mas não quero compartilhar com ninguém.
Vou guardar apenas comigo. Vou conviver com essas lembranças pelo resto da vida. Me lembrando de tudo que eu vi e ouvi.
Tendo pesadelos terríveis e sonhos agradáveis.
Seja como for, não contarei a ninguém. E, já que sou o único vivo, do grupo presente, acho que vocês nunca saberão.
“Não faça aos outros o que não queres que seja feito a ti mesmo”, esse é o ensinamento, certo? Pois então.
E depois, todos sabem que somos egoístas. Algumas coisas que temos não queremos dividir com ninguém.
Pelo sim, pelo não. Por bem ou por mal, e para evitar problemas para todos nós, estou indo embora dessa cidade. Assim nunca não poderão ficar me importunando com suas curiosidades.
Adeus...