Logo que cheguei em
Goiânia, vindo do interior (Mineiros), eu escrevi sobre meu estranhamento com a
fato de as pessoas aqui falarem tanto sozinhas (ou consigo mesmas).
Quase três anos e ainda
não me acostumei totalmente em ver tantos “diálogos em via única”. No entanto
esse tempo na capital, a observação das pessoas que meus olhos podem alcançar
e, sobretudo, a observação de mim mesmo, está me mostrando alguns dos motivos
que levam a esse comportamento. E, infelizmente meu diagnóstico me entristece.
É que estou percebendo
que estamos doentes. Todos nós estamos. E as causas e sintomas são tão agudos,
que não conseguimos perceber nosso estado. Não percebemos e, principalmente,
não nos permitimos admitir que haja algo anormal conosco.
Ontem, sábado
(14/03/2009), uma música foi para mim um desses tapas que por vezes precisamos
levar pra ser trazido à realidade. Gostaria de compartilhar (na verdade sugerir
que interrompam agora a leitura para ouvir a interpretação de “Um homem chamado
Alfredo”. No link: http://www.youtube.com/watch?v=N8eOUR9UiuM. É uma canção
simples, mas bastante interessante).
“A vida, meus amigos”. “É
a correria do dia-a-dia”. O fato de “estar trabalhando muito”. “Essa falta de
tempo”. Esses são apenas alguns dos motivos que usamos para justificar nosso
comportamento. Nos enganando, e não admitindo o grande mal que já se instalou
em nós.
Todas nossas desculpas
nos parecem cada vez mais justas e verdadeiras. Precisamos mesmo, nos dedicar
cada vez mais ao trabalho. É realmente necessário nos dedicar cada vez mais
tempo na busca por riquezas (afinal daí virá o conforto que precisamos garantir
à nós e à nossa família) e, consequentemente, nos sobra menos tempo para nos
dedicar efetivamente às pessoas. Inclusive à essa família, para a qual nos
esforçamos tanto para dar o sempre o melhor (por certo que já assumimos que o
melhor não está em nós. Não somos nós).
O fato, meus caros, é
que perdemos completamente a capacidade de nos dedicar às outras pessoas. Não
sabemos mais escutar. Não temos tempo para nos sentar com alguém, sem pressa e
com carinho, apenas para ouvir. E, mesmo quem se propõe e quando nos dispomos a
isso, cometemos o grande erro de ouvir sempre do nosso ponto de vista. Levando
em conta apenas “nossas próprias verdades”. Nunca as “verdades” e pontos de
vistas de quem está falando. Mais difícil que ouvir, é exercitar a empatia.
Considerar as dificuldades, dores e angústias enfrentados pelo outro. Mesmo que
este esteja nos dizendo de forma literal. E o pior, sempre sugerimos as nossas
soluções, mostrando acreditar que todas as pessoas vivam e pensam como nós,
possuam os mesmos recursos e limitações que nós, sejam cercados pelas mesmas
pessoas, e tenha a mesma família. Ou ainda, nem nos damos ao trabalho de
certificar se quem nos fala deseja de nós alguma solução. Se olharmos de perto
vamos perceber que não esperam, nem desejam isso. Todos (inclusive eu e você)
às vezes queremos/precisamos apenas de carinho e atenção de alguém que se
disponha a nos ouvir um pouco.
Não temos tempo para
escutar ninguém, por isso é mais fácil tentar apontar logo uma solução. Sempre
a que achamos a mais racional. Assim poderemos voltar rápido à nossa rotina
“corrida”.
E o fato de não podermos
nos dedicar a ouvir, nos fez deixar de perceber a necessidade que temos de ser
escutados. Seria incoerente, não é mesmo. Se não posso oferecer, não posso
esperar que me ofereçam. E assim estamos nos fechando, cada vez mais, em mundos
pessoais tão isolados, de onde não conseguimos mais sair. E às vezes não
conseguimos, sequer, entrar.
Substituímos nossas
necessidades reais por outras invenções que assumiram status de “primeira
necessidade”.
Já não sabemos o que nos
dá prazer de verdade. Vivemos a vida nos confundindo. E, acreditando ser melhor
para nossos filhos, os “abandonamos” para que possamos dar a eles sempre o
melhor. Sobretudo aquilo que nós mesmos não tivemos.
Para conseguir um pouco
de atenção, definimos que precisamos obter sucesso em tudo, e a qualquer preço.
E criamos uma população inteira cheia de indivíduos que só enxergam sentido
para suas vidas nas conquistas profissionais, e riqueza material. E se perderem
seu dinheiro, sua posição ou seu trabalho, perde a razão de viver. Somos assim,
quase todos, uma grande geração de “Alfredos”, cheios de motivos para desistir
de viver. Inda mais em tempos de grave crise, como a que estamos atravessando.
Quantos “Alfredos” eu
conheço? Quantos você conhece? Quantos vivem em seu prédio? Não será um, esse
seu colega de trabalho? Quantos em sua família? Ou ainda, não será você mesmo,
um? E eu (...)?
E, o pior é que está
cada vez mais cheia a lista de “louros” e “gatos de estimação”. Agora tem sido
indefesas crianças (como aquela menina de 5 anos, voando com seu pai),
estudantes e professores, em escolas americanas ou alemãs.
Me pergunto se o trágico
sequestro do ônibus 174 teria acontecido se o jovem Sandro do Nascimento
tivesse podido fazer terapia. Ou melhor, se tivesse ele tido alguns bons
amigos, com quem pudesse conversar sobre o grande trauma decorrente do fato de
estar entre os garotos assassinados na Candelária em 1993, de onde só escapou
por pura sorte.
Não pretendo aqui propor
a nulidade de culpa de quem quer que tenha cometido algum crime, contra si
próprio e/ou contra outros. Acho, sim, que deveríamos relativizar um
pouco todos os acontecimentos. Tentando ver cada situação de forma mais
completa, e identificar, quem sabe, a parcela de culpa que cada um de nós em
cada uma das tragédias que os jornais não param de nos mostrar.
Mantemos em nós, e
apenas em nós, a pressão de tudo que vivemos. Vamos guardando tudo. E, por não
termos sido criados para viver como ilhas, o risco é cada vez mais de uma
grande explosão. Ou como estamos assistindo a cada dia, um número cada vez
maior de pequenas implosões.
Me lembro de alguns
momentos em que minha sanidade foi mantida (ou recuperada) em longos momentos
na companhia de alguns bons amigos/irmãos. Às vezes regados à cerveja, às vezes
compartilhando poesias, às vezes rindo de nada, em outras chorando por tudo.
Mas sempre cada um falando de si mesmo. Felicidades, frustrações, dores,
conquistas, sonhos e desejos.
Por isso me tornei um
grande apreciador dos abraços. E tento ter sempre tempo para um “dedo de
prosa”.
Ta bom, eu sei que lá no
interior era bem mais fácil (outra grande mentira usada por nós, para
justificar nosso isolamento). E não quero que deixemos de cumprir nossos
compromissos de gente grande. O que sugiro (pra mim mesmo), é que possamos nos
demorar um pouco mais com as pessoas. Que saibamos, ao menos, nome dos vizinhos
(particularmente sinto saudades das xícaras de açúcar, emprestadas em outros
tempos). Que reaprendamos a escutar, a entender e respeitar as
particularidades, verdades e pontos de vistas de cada um, para que, ao escutar escutemos
com base não nas minhas, mas nas idiossincrasias de quem fala. Pois, é com base
nelas que ele está falando. E, que nos permitindo escutar, reaprendamos,
também, a falar. Para que possamos nos tornar mais livres, seguros, confiantes.
Felizes, enfim.
Mas há cura. E acredito
que seja bastante simples. Como simples deveria (e pode) ser a vida...